Criminalizar caixa 2 pode favorecer réus, avaliam advogados da Lava Jato


Para especialistas, tipificar prática dá argumento para defesa reduzir punições.
Relatório de Onyx Lorenzoni estabelece prisão de até 10 anos para o crime.

Bernardo Caram e Fernanda CalgaroDo G1, em Brasília


A proposta de criminalização da prática de caixa 2, que tramita na Câmara dos Deputados, pode abrir brechas que beneficiariam quem já cometeu a infração, avaliam advogados ouvidos pelo G1 e que defendem pessoas envolvidas nas investigações da Operação Lava Jato.
Na visão desses especialistas, a nova tipificação pode dar aos advogados o argumento de que, antes da edição da lei, a prática não era considerada crime. Outra possibilidade seria a tentativa de enquadrar o réu com a pena de caixa 2 quando houver risco de condenação por outro crime que tenha punição mais severa.
Atualmente, não existe o crime específico de caixa 2, que é uma contribuição que entra na campanha dos candidatos, mas não é declarada formalmente à Justiça Eleitoral. O político que faz uso desse instrumento pode ser punido por falsidade na prestação de contas, com pena de até cinco anos de prisão.
Uma tipificação específica para o caixa 2 está entre as medidas contra corrupção apresentadas pelo Ministério Público em um projeto de iniciativa popular com mais de 2 milhões de assinaturas, que agora tramita na Câmara. O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), quer votar o texto em plenário até o dia 9 de dezembro.
parecer do relator Onyx Lorenzoni (DEM-RS) foi apresentado na última quarta-feira (9). O texto prevê pena de dois a cinco anos para quem arrecadar, movimentar ou gastar recursos paralelamente à legislação eleitoral. Se esses valores vierem de fontes vedadas pela lei, como empresas, ou acima do limite permitido, a pena pode chegar a dez anos.
O relatório – que precisará ser aprovado em comissão, no plenário da Câmara e no plenário do Senado – ainda inclui uma repercussão para as questões eleitorais na lei de lavagem de dinheiro. “A lei colocada no código eleitoral não retira qualquer punição da legislação penal”, explicou Lorenzoni.
Para o relator, é natural que advogados tentem usar artifícios para beneficiar seus clientes. “O mundo jurídico é assim. Para cada frase que você coloca, tem dez interpretações. O advogado, para fazer defesa, usa de tudo. Vai ter que levar um balde de Super Bonder para ver se cola”, brincou o deputado.
Para o advogado Antonio Figueiredo Basto, especialista em delações premiadas, o novo tipo penal que será criado pode beneficiar políticos e pessoas envolvidas nos processos da Operação Lava Jato.
“A nova lei pode ajudar muita gente nessa situação. A aplicação na Lava Jato é duvidosa e nebulosa, mas como a pena vai ser menor que a pena de corrupção, é muito melhor dizer ao juiz que a prática foi de caixa 2, e não de corrupção”, disse. Hoje, a punição para o crime de corrupção chega a 12 anos de prisão.
Entre os clientes de Basto estão o doleiro Alberto Youssef, o empresário Júlio Camargo e o ex-senador Delcídio Amaral, todos delatores do esquema de corrupção investigado pela Lava Jato.
O advogado disse que acha desnecessária a nova tipificação do caixa 2 e avalia que os mecanismos vigentes hoje para enquadrar esse tipo de doação ilegal perderão o efeito a partir da aprovação da lei pelo Congresso.
“Evidentemente que os fatos que ocorreram antes não podem ser vistos como crime”, disse. “É uma questão constitucional”, completou.
O advogado criminalista Marcelo Leal, que também atende envolvidos na Operação Lava Jato, considera a tipificação de caixa 2 um avanço na legislação, mas avalia que a mudança será usada para tentar amenizar punições de réus.
“[A nova legislação] Permite que a defesa utilize a tese de que até aquela data não havia a tipificação”, disse. Para ele, caberá ao juiz avaliar se o argumento é válido. “A Justiça vai ter que definir”, afirmou.
Leal afirmou que, como advogado, usaria o recurso de argumentar que a tipificação não existia antes da lei. “Ao estabelecer que isso é caixa 2, o legislador está reconhecendo que antes não existia tipificação para a conduta”, disse.
No entendimento do advogado Michel Saliba, que faz a defesa de sete investigados na Lava Jato, não seria preciso alterar a legislação atual porque, avalia, já existem meios na lei eleitoral para punir o caixa 2.
“Eu acho absolutamente desnecessária a mudança da legislação. Entendo que essa tentativa de imprimir uma nova redação é simplesmente uma forma de resposta ou tentativa de resposta à sociedade desnecessária, porque basta aplicar a legislação. Temos um dispositivo que prevê a omissão de valores da prestação de contas de uma campanha”, ressaltou.
No entanto, Saliba reconhece que a criminalização da prática pode servir de argumento para poupar quem tenha praticado o ato antes de o ato constar como crime na legislação.
"Sou contrário a essa tipificação específica porque, realmente, pode abrir uma brecha para dizer: 'Se estão criminalizando agora, então significa que antes não era crime'", ponderou.
Câmara
Na Câmara, houve, em setembro, uma tentativa de levar essa proposta de criminalizar o caixa 2 para ser votada diretamente no plenário, antes mesmo de ser debatida na comissão.
Nos bastidores, diversos partidos, incluindo governistas, como o PMDB, PSDB, DEM, PR e PP, e o PT, que está na oposição, articulavam a apresentação de um projeto sobre o tema, mas o texto nem chegou a vir a público.
A inclusão de última hora da proposta na pauta provocou protestos em plenário, principalmente de deputados do PSOL, Rede e PSD. Chegou a haver tumulto entre os parlamentares, que se revoltaram com a situação.
O temor deles era que o texto trouxesse uma emenda para deixar claro que quem fez uso de contribuições ilegais em eleições anteriores ficaria anistiado. Diante da pressão, o texto acabou retirado de pauta.

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