Edgar Moreno: Crônica Frustrada

Por Edgar Moreno

COSTA FILHO, João Batista da que também representa o heterônimo Edgar Moreno.

Desde que vi aquela cena imaginei que dava uma boa crônica. Pensei em rascunhá-la ali mesmo. O cronista é assim. E se não o fiz foi em proveito do próprio momento, mas principalmente, pela arte. Não queria perder o que se passava naquele banco da Praça da Juçara, naquela conversa meio pé de ouvido entre um casal de drogados, que se fazia acompanhado da filha de uns oito anos, alheia a esses pormenores.


Impossível foi não lembrar Fernando Sabino em sua Última crônica: um casal de negros com sua filhinha chegam num botequim para comemorar os três aninhos da criança, levando a tiracolo, uma fatia de bolo e as velas, deixando ao leitor este gesto ingênuo e grandioso. Cheguei a prometer uma crônica ao comentar com Well – o mesmo Welyson Lima dos papos literários – a riqueza e a semelhança com Sabino.


Mas deixemos disso. Escrevamos já a crônica do mês. É preciso nascê-la dalgum lugar, dalguma cena, dalgum aceno, dalguma coisa; é preciso desenvolvê-la, enviá-la ao jornal; é preciso, sobretudo, atender o lembrete de Dayane, ontem à tarde:


−Alô! Edgar? Bem... Eu tô ligando par... – disse ela, vergonhosa da minha demora.


−Já sei o que queres, minha editora – atalhei-a referindo-me à crônica do mês, comprometendo-me despachá-la via e-mail dia seguinte.
Sem saída, ela assentiu e desligou feliz, e é certo, “com a pulga atrás da orelha”.


Pronto, agora tinha eu que parir uma crônica. Não convinha mais ficar escolhendo temática, estilo e coisas do gênero. Adiar? Sem chance alguma. Era escrever, enviar e pronto.


À noite, porém, quis o destino que me encontrasse com meu editor-chefe. Por sorte falamos de outras coisas, mas no fim do papo, o cômico Jakson não deixou por menos:


−“Custa” Filho, diz ao Edgar sobre a crônica. O jornal deve fechar amanhã.
Sorrimos da alcunha já consagrada. Tchauzamos cada um ao seu rumo. Em casa, pensei em socorrer-me com algum escrito já iniciado no computador. Não. Seria mais difícil. Tomei uma decisão: começar do zero. Mas, de fato, eu queria era a simplória cena do casal.


Amanhãzado o dia fui buscar inspiração nas ruas. Nunca uma folguinha da escola e um júri popular adiado me tinham sido tão úteis. Agora meu dilema ia terminar. Ou seria começar? Comecei, pois, a rascunhar a minha crônica de rosca. Tomo uma Compactor 07 e Chamex. E nada. Troco por uma esferográfica especial (aquela personalizada que Iraide trouxe ao Costa de Brasília), tudo na esperança de que dela saísse um bom enredo. E fui conseguindo assim:


O dia segue, nem espetacular, nem monstruoso; nem de lata, nem de ouro, nem assim, nem assado. Não é “aqueeeele dia”! Mas é de sol, e vai indo cheio de si quarta-feirando numa brisa leve e junina, mas ainda com cara de ventos de maio, tal qual desta crônica é a validade. Na Praça da Matriz, as folhas bailam felizes, os arvoredos todos seguem o gesto matinal, a copa do oiticiqueiro esverda-se bela e alta, o colorido das flores embonita ainda mais a relva curta, e o passar de gente dá o charme pacato e eficaz a essa doce cena bacabalense, como um troféu, que já não me é de lata: é meu, é raro e nobre...

Lembro de novo do casal de rua. Só preciso agora de um título. Isso inspira muito. E tem que ser atraente. Já dizem os teóricos que a compreensão textual começa no título. Mas, Edgar, isso não pode ficar por último? O teor não é mais importante? Comecemos, pois com a descrição de espaço. O que já escrevi parece perfeito. Hum... Talvez isso seja ruim. Se o leitor se deleita numa prévia descrição de ambiente, num enredo linear, também pode se amarrar na surpresa, na incógnita, nas nuances de mistério e humor, na beleza onisciente do discurso indireto livre. Mudo de ideia. Mas repito: é preciso escrever a crônica do mês. O tempo urge. Donde tirá-la?


Um gato – preto – se acolhe em meus pés. E parece querer brincar. O momento reclama concentração e o felino, gaiato e intruso, sem nenhuma maldade, termina contribuindo com minha frustrada crônica. Vem ainda dona Zélia a me oferecer água. Não quero água, quero uma crônica. Eu não sabia que as crônicas também podem ser frustrantes, sovinas e metadezadas. Quem sabe um dia eu lhe arranque o outro pedaço.

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