Edgar Moreno: Das casas e dos lares

Por Edgar Moreno
COSTA FILHO, João Batista da que também representa o heterônimo Edgar Moreno.

Há alguns dias andei pensando no sujeito “casa”. De tanto fazê-lo, terminei formulando uma teoria: as casas são um misto de abrigo e sentimentos, ou seja, elas são uma espécie de gente – allocutio feelings. A diferença é que quase ninguém, senão elas mesmas, sente suas queixas e regozijos. Quiçá nenhum ser que se diz humano e sensível tenha captado delas a rotineira satisfação quando seu dono chega, o vazio que lhes abate quando ele sai, ou sua eterna tristeza quando ele parte para sempre sem dizer sequer um “Tchau, casa!”. Foi isso que aprendi com Ramiro em pequeno, quando mudamos de uma para outra residência da Frederico Leda.


É certo que há “casas” e “lares” e os conceitos quero deixá-los ao Aurélio e aos sociólogos. Importa-me que as casas não expressam uma mera e fria construção, seja ela de tijolos, sapê, palhas ou AP. Elas são sim, como pessoas: podem esbanjar simpatia ou solidão, otimismo ou amargura, calmaria ou saudade; afigura-se com a cara do dono e se acostuma aos modos daqueles que a habitam. Todavia, a coexistência dessas duas vertentes, sendo saudável, deve ser o grande objetivo da humanidade e de cada casal, afinal já diz a sabedoria popular: “Quem casa, quer casa” e toda casa almeja uma família que lhe dê o sentido do existir. Então o ambiente vira uma festa! Há alegria, aconchego, harmonia e valores e, há, sobretudo, família em seu mais pleno sentido. E se houver crianças e cachorros, e amigos e churrasqueira, certamente a casa ficará bem mais feliz, pois já não é mais uma mera casa, e sim um lar.


Mas, infelizmente, assim como as pessoas, nem toda casa é feliz. Tenho visto algumas que, pelo seu modo desolado, taciturno e até poético não consigo esquecer. É como se elas gritassem que também existem e merecem um pouco de atenção.


Uma delas está lá, na periferia, próximo a um baixão de esgoto. Toda vez que passo às caminhadas vespertinas a vejo do mesmo jeito: toda deprimida, toda pequena, toda suja que dá dó. A única diferença é que às vezes a porta está aberta, às vezes encostada. Mas isso não faz muita diferença, é sempre sórdida.


Seu dono, um idoso, que parece morar sozinho, também é sórdido e me cheirou a carvoeiro e a casa parece ajudá-lo em seu ofício. Não dá pra entender como ele fica sentado num tamborete, sozinho, no escuro, fazendo nada. Certa vez tentei um “bom dia!”, mas ninguém entendeu, pelo menos ele.

Ela suporta, mas sei, ela queria outra sorte. Talvez a sorte da casa da poetisa que, sempre asseada, vai rompendo o tempo numa rua de asfalto, com ares de solidão e antiguidade, com seus poucos móveis e sala simples com alguma cadeira de macarrão, uma máquina de costura e de moderno um congelador.

Era ali que costumávamos conversar sobre poesia, gramática e academia, um mundo totalmente alheio àquela casa do baixão. Já a casa nº “x”, aqui mesmo no meu bairro, também dá certo dó. Não apenas pelo casal de idosos e seu “ladrãozinho da porra”, que sendo drogado já nem volta mais a casa, quanto mais ao lar; não apenas pela filha que lá vive com mais três filhos, dos quais, a caçula em tratamento de... Quem sabe essa casa triste, doentia, vazia e vulnerável, quem sabe aquela casa sórdida, possam um dia transformar-se num casarão da esquina, mas, sobretudo num lar.

Quiçá essas casas e seus donos, venham algum dia mudar de sorte, e, semelhantemente, ao meu editor Jakson, gozar do aconchego dum AP, mas, sobretudo, do luxo de ter um lar.

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