Por que Temer e Renan se desentendem por Cunha?

Carlos Melo

Ed Ferreira – 15.jul.2015/Folhapress
Os últimos dias foram marcados por um sutil tiroteio verbal entre o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e o presidente Michel Temer. O primeiro é ex todo poderoso do Senado e, hoje, líder da bancada do PMDB; o segundo, até recentemente dirigia a legenda, e atualmente é a maior expressão do partido. Correligionários, era de se esperar que se entendessem.
O pomo da discórdia é, porém, um ser conhecido a quem Renan quer expor e Temer esconder: trata-se do tangível fantasma de Eduardo Cunha, que renasce nos diálogos entre o senador e o presidente feitos pelos microfones do rádio e da TV.  Renan e Temer formam com Cunha um jogo de sombras, num triângulo de constrangimentos mais ou menos claros, mais ou menos ocultos a depender dos interesses de cada um.
Renan afirma que Cunha ainda manda no governo de Temer: “(…) o governo não pode ficar exposto a isso. E o PMDB não concordará que o governo continue a ser influenciado por Eduardo Cunha” (o grifo é da ênfase que o senador dá em sua fala). Renan nunca se deu com Cunha, mas sua restrição, ainda que sua voz queira fazer crer, não é exatamente moral. É antes um pensado lance de xadrez.
Já Temer desconversa: “(…) imagine se o Eduardo Cunha que está, enfim, distante — não é? –, pode ter influência no governo”. A frase do presidente, entrecortada por virgulas e digressões, revela os seus receios. O Eduardo Cunha, a quem ambos se referem, não está, “enfim, distante” coisa nenhuma – Curitiba é logo ali… –; está preso, acusado de corrupção e implicado com a Operação Lava Jato até os ossos. Mas, ainda assim vive nos diálogos, nos cálculos e nos pesadelos do processo político.
O cuidado de Temer não é apenas cerimonioso, é reverencial e, a seu modo, releva que Renan tem pelo menos uma ponta de razão: se Cunha não tem influência no governo, conta, pelo menos, com muito respeito. E um silêncio obsequioso. Quem tem Cunha tem medo!
Há nesse imbróglio, é claro, toda uma trama de interesses mal dissimulados: Temer precisa de votos na Câmara, os quais, em grande quantidade, Cunha ainda controla – mesmo, “enfim”, remotamente — “não é?” –, de seu posto avançado no Paraná. Desesperado, Cunha demanda algum tipo de proteção; qualquer que seja. Embora de efeitos duvidosos, espaços de poder no governo, crê o ex-deputado, ainda podem ajudá-lo. Mal certamente não fazem.
Todavia, Renan e os seus também carecem de espaços e poder. Igualmente implicados na Lava Jato, demandam influência de forma a buscar algum tipo de proteção. Talvez, para que não experimentem da mesma sorte de Cunha, evitando que fiquem, “enfim”, do mesmo modo, “'distantes' – não é?”.
O governo é, assim, uma espécie de “Castelo dos destinos [de Renan, Temer e Cunha] que se cruzam”. No interior de sua amurada vive vassalo um país em crise.
Hoje sabemos do duplo erro de Dilma Rousseff: Eduardo Cunha é um sujeito a quem não deve ter como amigo, mas que não se pode ter como inimigo. Já Renan é um indivíduo a quem não se deve ter como inimigo, mas não se pode ter como amigo. A ex-presidente errou nas duas pontas. Normal, em Dilma.
Temer, porém, faz o diabo para não ter Eduardo Cunha como inimigo; sabendo disto, Renan Calheiros o alerta e, como o bom amigo que não se deve ter, exige que o presidente se afaste do – ''não é?'' – ''distante'' Eduardo Cunha.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

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