Edgar Moreno: o peso do silêncio


Por Edgar Moreno
COSTA FILHO, João Batista da que também representa o heterônimo Edgar Moreno.

Era, quiçá, a terceira vez que Abelardo ia àquele salão cortar os cabelos. e o motivo eram os poucos profissionais da vila kühn e as demoradas filas.
Já na primeira vez não foi muito com o jeito do dono.


Sem saber-lhe o nome, nem ter entusiasmo de perguntar, não sabia se o chamava de cabeleireiro, barbeiro ou “cortador de cabelos”. Essa dúvida abelardiana surgiu pela ótica associativa da função ao modo “jecasmurro” do seu agora arquirrival. O fato é que o profissa lhe pareceu melhor definido nesta última qualificação, não por ser magro, negro, marrento e cadeirudo, mas porque já lhe dissera nunca ter feito curso algum; só com a prática estava bom demais. O negrão, em seu porte africano, parecia dizer que estudar curso de cabeleireiro era pura frescura, mas não o fez por boca. Pelos modos, não era um barbeiro literal feito o mudo da Barbearia Santo Antônio da Rodoviária, e seu salão, apesar de arrumado, mas cheio de tufos voando pelo chão (É cada uma!), ali não se viam traços tradicionais relevantes como a velha, confortável e preguiçosa cadeira giratória e a vassourinha espumante, mas principalmente não se via um homem de avental, que ao cliente prezasse em perguntar qual estilo queria, se à cavanhaque, à bigode, à social ou à militar. Não, leitor, o profissa apenas perguntava a altura que a máquina havia de cortar nas têmporas e mandava ver, sem nenhum papo literário, sem nenhuma simpatia, sem aconchego algum que te fizesse sentir um cliente de verdade e que te fizesse lá voltar.

Foi assim desde a primeira vez, essa sensação sofrível, muito embora Abelardo achasse que logo viriam as boas conversas de salão, como nos velhos tempos, quando os barbeiros se referendavam pelos longos papos, chegando às graças de confidentes ou alcoviteiros. Mas não foi em tal cenário que atuou nosso Abelardo, nem a cena lhe poderia ser tão diversa:


– Quero um corte jovem, à quadrado, tipo militar, adiantou o cliente.
E o profissa com ares de sabe-tudo:
– E o senhor sabe ao menos como é um “corte militar?”
– Não, eu não sei como é um “corte militar” – o freguês reproduziu irônico.
– Tem gente que pensa que... – Pê, pê, pê... pá, pá, pá...

Calou-se. Calaram-se. Tomaram uma dose de “semancol”. Seguiram esdruxulamente em si. Enquanto um executava o serviço do jeito que bem lhe aprouvia, o outro aguentava as pesadas mãos cada vez que sua cabeça era girada, em vez da cadeira. A maior dor, porém, não era a da gilete ou a do torcicolo, mas a de suportar o peso daquele silêncio recíproco e asno. E se de repente o espelho os traísse? Monstruoso receio que os deixou ainda mais sisudos. Acontecesse o que fosse, Abelardo já decidira: se não tinha o que dialogar, não cairia no ridículo de ficar puxando conversa fiada. E se já vinha se prometendo lá não ir mais, não custava suportar seu último suplício. Aquela seria sua última ida àquele salão. E até concebia que o profissa não faria disso outra objeção que não fosse a perda dos seis reais por corte.

Um “Obrigado...” e um “De nada.”, selaram a trama; surgiu a reflexão: há lugares que não nos cabem e pessoas que nos enchem; e há silêncios que nos pesam toneladas e teorias que nascem da prática; e certas lições que só aprendemos na ignorância do nosso ser.

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