Edgar Moreno: refém domiciliar

Por Edgar Moreno

COSTA FILHO, João Batista da que também representa o heterônimo Edgar Moreno.

Você sai à rua, depois de pensar mil e uma vezes se deveria fazê-lo. Deve sim. Mesmo correndo riscos. A Lei da Sobrevivência é maior. Já beijou os filhos, trancou bem as portas, e sai. Antes, porém, reza o Pai Nosso, concentrando-se na frase: “livrai-nos do mal. Amém”. “Livrai-nos”? Sim, sua família ficou em casa e corre riscos semelhantes. Então você põe um pé fora de casa. Olha para um lado e outro.


Reserva-se enquanto aquele moleque de calção taquitel passa olhando de soslaio. Se é ladrão, não se sabe, mas tudo indica ser um “usuário”. É como eles dizem para se safar do flagrante de tráfico. Na dúvida é um forte suspeito. Todo mundo é suspeito. Até aquele lá de bigode e bem trajado pode ir levando consigo alguma pedra de crack. Então é prendê-los. Eu? Pode ser. Segundo o artigo 301 do CCP qualquer pessoa pode prender um suspeito. Nunca! Deixa isso para a polícia, que averigua ou prende o sujeito. Prender onde? A carceragem até interditada foi pela Justiça! Além disso, eles sabem direitinho que ninguém pode ser preso sem provas. Ora bolas! Se até com provas tem bandido solto, imagine... Voltemos ao nosso rumo, senão...

Lá à frente você precisa atender ao celular. Mas dirigindo não pode. Parar na rua é perigoso. Então, o que você faz? Deixa o aparelho tocar, chamando a atenção daquele cara suspeito, ou, correndo risco, para e atende, ou deixa a ligação cair para atendê-la num lugar seguro? A última opção parece a mais adequada. Melhor ainda se seu telefone móvel estivesse apenas no modo vibratório. Ninguém precisa saber que você carrega um celular, muito menos ouvir aquele toque da “meninazinha” rindo e cantando: “Ah! ah! ah! Etchamaracá! Ed Marley!...”


Finalmente ao atender você percebe que o número é de fora: “Bom dia! Eu falo com o senhor Astrogildo de Tal e Tal? Sou do setor X da Empresa Y, credencial nº tanto. Você poderia me confirmar seu endereço, celular e...” Você desconfia e desliga, pois sabe que pode ser um golpe.


No trabalho toma conhecimento que um comércio foi arrombado, uma moto roubada, um velhinho enganado, três casos de lesão corporal e um homicídio. Meio dia, você não sabe se come ou se assiste a tudo isso no Ronda da Cidade, no Roda Viva e no Fala Cidade. E tudo com reprise. E mais: cinco presos fugiram da cadeia e que dos onze liberados à prisão domiciliar, um já andou aprontando; que o seu Pedro Messias da Trizidela continua revoltado com essa situação. E chove de entrevistas nos canais locais de TV: com o secretário de segurança pública, o juiz Carlos Roberto Paula, o delegado Jáder Alves e o outro delegado (ou ex-delegado?) regional Henrique Permulter. E os Promotores? Estão de férias ou doentes. E tem mais o depoimento de uma mãe negligenciada de atendimento pelo SAMU, o caso Mayana Cleide, morta de uma queda de rede e o “caso Jaciara”, ainda não solucionado...


Então você põe as mãos na cabeça e toma uma decisão: se dá férias forçadas do serviço e, via telefone, pede um cadeado Pado E-50 e se tranca num cofre com toda sua família. Definitivamente a rua já tem outros donos. Acabou-se seu direito de ir e vir.

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