Edgar Moreno: Um caso de amor


Por Edgar Moreno
COSTA FILHO, João Batista da que também representa o heterônimo Edgar Moreno.


Edgar abriu a caixa de e-mail. Um deles vinha do jornal e versava sobre uma leitora de Capinzal do Norte, admiradora dessas Crônicas em foco. Margarida aguardava ansiosa por uma crônica sobre o amor.
“Amor?”– disse consigo o cronista. “Como cronicar esse sentimento tão superior e puro? Não é das poéticas mazelas de que se importa a coluna?” Todavia, quis o cronista avaliar o pedido. Cogitou com seu editor não inspirar-se em temática como o amor, tão séria e rara como um bicho lindo em extinção. Resolveu, porém, contatar sua leitora. Qual! O descuido ou o destino tinha deletado o e-mail de Dayane. Ou seria da Michaellen? Ou do próprio Jakson, que ao cronista dera a notícia defronte à gráfica? Edgar quase nunca deleta e-mails. Mas então... Finalmente mensagem enviada. Pelas várias tentativas, o resultado automático: Delivery Status Notification (Failure) – Notificação de Status de Entrega (Falha). Coisas do mundo virtual! Deixou-se, pois, estar... Quem ama espera. O próprio tempo daria razão para uma crônica de amor. E deu.


Dias depois um episódio emociona a cidade. Um extraordinário caso de amor. Valentim Assunção, 40 anos, originário do mesmo Capinzal do Norte, procurou um canal de TV local numa busca pública por sua esposa separanda, que deixara sua pequena cidade para se ocultar supostamente nos antros da Trizidela. O povo logo maldou, o povo informou, emocionou-se. O repórter incrementou. E foi ao som de Não se vá (Tu t’en vas) da dupla Jane e Herondy (explosão musical nos anos 70), que Valentim derramou-se em sentimentos e lágrimas a toda a população telespectiva, com palavras solícitas de amor por aquela que agora silenciava para a reconciliação. Já queria ao menos a amizade da amada e com ela criar os filhos. Não importava a casa, a moto, o dinheiro... Remedinha era o que importava. Prometeu recompensar quem informasse sobre o paradeiro de sua amada. Pagou carro volante, foi junto pelas ruas, levou flores, talvez, enfim, sensibilizou os românticos e cafajestes, os machões e cara-metade. Queria, de coração e a qualquer custo sua ex, aquela que o tinha abandonado com os filhos, então chorosos na TV. Agora sua vida quebrara o sentido, sequer trabalhar podia. Era um mero padecente do amor e do abandono de Remedinha. Somente ela, com quem vivera anos, seria o remédio vital e necessário para curar sua dor, para preencher a saudade dos filhos e a depressão de um deles. Queria-lhe ainda, pois nutria ainda vivos o amor e a amizade pela consorte.


Alcançada pela notícia Remedinha aparece e conta sua versão, depois de o ex-marido abordá-la com a polícia a caminho de outro estado. Foi barrada, vistoriada, taxada de ladra e levada à oitiva no 1º DP. Nada queria mais com Valentim. E eis a grande verdade: além de “valentim”, ele a tinha traído. E outras verdades ele não tinha dito em suas duas idas à TV. O fato é que de vítima o apaixonado homem passou a acusado. Ela, liberada, rumou livre ao seu destino nos rumos de Tocantins. De resto, ficou o homem, ficaram os filhos e toda uma família esfarelada.


Seria isso romântico aos olhos de Margarida? Talvez não fosse esse amor que ela tanto sonhou ler. Também não o seria com o cronista e os redatores. Mas como já disse Nelson Rodrigues: “Toda nudez será castigada”. E esse é o castigo que o cronista transfere aos seus leitores: narrar “a vida como ela é”.

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