Antônio Melo: Brasileiro não sabe votar ou é político que não quer politicar?


Por Antônio Melo
Jornalista

O povo, coitado, é sempre o culpado. E se for nordestino, aí nem se fala. A culpa de tudo que está acontecendo é da população, principalmente da que vive no Nordeste pendurada no Bolsa Família.

Taí, pode ser. Nos Estados Unidos, por exemplo, tem Nordeste, mas não tem nordestino, como cá. Ainda mais Bolsa Família, pelo menos com esse nome. E eles elegeram Donald Trump. Não o pato, porque, parece que estão descobrindo por lá que pato foi o povo, que não soube votar. E era tudo doutores, letrados, republicanos, de direita. Na Itália fizeram uma faxina danada, tipo lava jato. Elegeram um doutor, um empresário bem-sucedido, parecido com o Doria, com o Trump. Um tal de Berlusconi. E aí a esperança, como a vaca, foi pro brejo. Não porque ele parecesse com o Dória, que parecer fisicamente, não parecia. Mas, como bom empresário que era e o Doria também, achava que sabia tudo, pois tudo sabia solucionar com sua experiência de mesa e jatinho de empresa. Povo era apenas um detalhe. A Itália até mandou o Berlusconi pra cadeia, mas ele passou só uma chuva por lá. Pouco tempo, quase nada.

São Paulo, que tinha uma Cracolândia, agora tem várias. E os viciados, caso de polícia, fumando seu craquezinho desmoralizante, bem diante das câmeras dos jornalistas e dos escudos dos policiais. Coisa à toa. Lá nos Estados Unidos, se bem parece, o empresário dono de cassino está comendo dobrado, como diz por aqui o povo que, dizem, não sabe votar. E é essa mesma sabedoria não livresca que está mandando um recado para Trump se segurar na sela, senão cai. E adivinham, os não letrados das brenhas do sertão, que além de queda, vai ter coice.

Ao que me parece, sem discordar dos não nordestinos, o povo sabe votar. Elegeu e reelegeu, até com abundância por aqui, Fernando Henrique Cardoso, o homem do Plano Real, da universalização da telefonia, da inflação sob controle. Elegeu e reelegeu Lula, o homem em que, na sua época, o Nordeste viveu seus melhores tempos e o nordestino viveu com mais dignidade. Há controvérsias, claro. Tanto sobre um quanto sobre o outro. Mas, controvérsias à parte, o que manda mesmo são os fatos. E os fatos são estes.

Se voltarmos no tempo, quando o voto dos brasileiros foi tomado pelas armas, não se produziu nada melhor. Ao contrário. Ganhamos senadores biônicos, governadores que se proclamavam delegados da revolução, levas e mais levas de governadores, ex-presidentes, deputados, senadores, secretários de estado, generais, juízes, ministros -cassados. E o danado é que a maioria deles havia sido escolhida de forma indireta por, supostamente, uns iluminados que sabiam votar. E não fizeram melhor que o próprio povo. A inflação, depois do "milagre brasileiro" foi às nuvens, batendo em 83% com Figueiredo, que culpou o descontrole do governo Geisel, que reclamava dos desmandos de Delfim com a banca internacional, no governo Médice. Portanto, nem os poucos que sabiam votar, sabiam.

Mas deixa pra lá. Se recuarmos no tempo mais ainda, em que só votavam os letrados, vamos falar de Getúlio e seu mar de lama –no dizer do ultradireitista Carlos Lacerda, do rouba mas faz de Ademar de Barros, de Juscelino que fez Brasília e é acusado pelos "revolucionários" de corrupção e destruir os fundamentos da economia botando gasolina na fogueira da inflação.

O fato é que se o povo não sabe escolher, os letrados não fizeram melhor. E, justiça se faça, é o povo, quem tem se desincumbido com mais acertos dessa tarefa. Tem lá seus erros. A democracia também tem. Mas, como já foi dito, ainda não arranjaram nada melhor para substituí-la.
Agora, se admitida a hipótese acima, por quê estamos vivendo essa crise toda? Não sei, mas olhando de fora e de dentro, me parece que o povo seja o problema.

A tarefa ele cumpriu e foi pra casa esperando o bom tempo anunciado. Essa era a sua parte do contrato. Ao político, o contratado e pago com o voto, cabe entregar a mercadoria prometida. Os empregos, a inflação baixa (não à custa de deixar as pessoas passando fome), o fim da roubalheira. E, mais que isso, prestar contas à Sua Excelência o eleitor, que não só é gente na hora do voto.


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