Antônio Melo: Infiltrado e marketing do medo



Por Antônio Melo
Jornalista

No Rio de Janeiro uma megaoperação conjunta do exército, fuzileiros navais, paraquedistas, força nacional, polícias federal, civil, militar e rodoviária envolvendo quase cinco mil homens, 74 blindados, 677 viaturas, cães, 16 motos e sete helicópteros tinha por objetivo recolher armamento pesado e cumprir 40 mandados de prisão.

O resultado foi frustrante: dois bandidos mortos, só 15 mandados cumpridos, três pistolas e duas granadas apreendidas. Nenhum fuzil, nada de munição ou carga recuperada.

Conclusão óbvia: a operação vazou. De dentro da própria polícia, claro. O crime organizado está infiltrado até entre quem deveria combate-lo. Novidade nenhuma.

Sobrou tarefa para a inteligência do governo que todo mundo já sabe há muito tempo: investigar a polícia bandida. Menos quem deveria saber: Os governos estaduais. Agora, o assunto entrou pela porta do GSI, o Gabinete de Segurança Institucional. E o general Etchegoyen, o homem que manda lá, quer saber o que deu errado naquela operação. Não por simples bisbilhotagem. Para agir.

Vamos esperar.
Pelas bandas do Nordeste as coisas são bem mais simples. O governador Robson Farias, do Rio Grande do Norte, que se elegeu prometendo dar um jeito na bandidagem, descobriu que a violência em terras potiguares é culpa do espelho. Ou seja: dos jornalistas. Entenda. O jornalismo, além de ter o dever de funcionar como olhos e ouvidos da sociedade, deve também operar igual a um espelho. Se você passa nu diante dele, não vai aparecer vestido. Não é mágica. É o que o governador está querendo, parece. O Estado, que era pacífico, virou um faroeste. Faroeste, não. Território das máfias. Aqui digladiam-se PCC e Sindicato do Crime. E sobra para quem nem é comandado ou tão pouco sindicalizado. Nós, cidadãos ditos de bem.

Na parada do ônibus, a cabelereira cheia de sonhos é derrubada por um balaço na cabeça durante assalto numa agência bancaria. E ela nem estava lá. Morre porque foi achada por uma bala perdida, em plena calçada sob o sol do meio dia.
No seu carro, o médico de 87 anos, aguarda a esposa que entrou da farmácia PagueMenos. Dois bandidos também entram e começam mais um assalto, coisa comum no dia-a-dia de Natal. Distraído, o médico paga caro. Só percebe o que estava acontecendo quando uma bala vara sua mandíbula. Sangrando muito, é levado para o hospital. Já os marginais, sem serem incomodados, fogem em carro roubado de um dos clientes.
O governador Robson faria melhor se, ao invés de quebrar o espelho, visse as imagens que os jornalistas enxergam nele. Elas são reais. Iguais as que a população assustada se depara no cotidiano das ruas, um grande espelho da violência, da insegurança e do medo.

Por outra parte, nós jornalistas também precisamos nos questionar. Os glamorosos programas policiais que invadem lares brasileiros mostrando a violência lá de Cidade Adhemar, bairro pobre da capital paulista, como se estivesse prestes a se repetir aqui em Mossoró, Brejo do Cruz na Paraíba ou em Bacabal no Maranhão, contribuem inegavelmente para aumentar a sensação de insegurança. É preciso que tenhamos a humildade de reconhecer. Em nome da audiência, todos os dias, o marketing do medo é feito sem nenhum pudor, alimentando os instintos mais baixos da sociedade que chega a defender esquadrões da morte, milícias, chacinas.

Hoje a indústria que mais cresce é a do medo. E enquanto ele existir, mais se venderá segurança: armas, vigilância armada, câmeras, cercas elétricas, portões eletrônicos, intercomunicadores, rádios, blindagem de automóveis, detectores. Multiplique essas vendas por praticamente todos os prédios e residências da classe média pra cima, no país inteiro. São milhões e milhões de clientes. Junte-se a isso bancos, comércio, repartições, empresas, transportadores de cargas, fazendas, clubes, etc. Um negócio de centenas de bilhões de reais.

E quanto mais assustada a sociedade estiver, melhor para os donos do negócio. Esses programas, da forma como são feitos, contribuem muito. São ferramenta fundamental para o marketing do medo. Seus apresentadores ganham salários astronômicos, mas nenhuma empresa quer sua marca atrelada a eles. Por isso não têm patrocinador. Pelo menos às claras. Quem os bancam?


Nós também precisamos refletir. Parar um pouco diante dos nossos espelhos. Olhar para os nossos próprios monstros. Será que já não é hora de enfrenta-los?

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