Para investigadores, doleiro é o guardião dos segredos de Cunha

Lava-Jato acha que eventual delação de Lúcio Bolonha Funaro seria 'bala de prata' contra deputado afastado

POR CHICO OTAVIO
O Globo


O doleiro Lúcio Bolonha Funaro - 08-03-2006/ Dida Sampaio - Divulção / Agência Estado
RIO — Alberto Youssef, Júlio Camargo, Fernando Baiano, Milton Schahin, Ricardo Pernambuco Júnior. É longa e consistente a lista de delatores da Lava-Jato que denunciaram o envolvimento do deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afastado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da Presidência da Câmara, com corrupção na Petrobras. Nenhum deles, contudo, supera em expectativa a aguardada delação premiada do doleiro Lúcio Bolonha Funaro. Os investigadores da Lava-Jato consideram os segredos de Funaro, visto como o principal parceiro dos negócios suspeitos de Cunha, a bala de prata contra o parlamentar.

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Desde que a relação entre Funaro e Cunha tornou-se pública, em 2005, quando o doleiro teve de explicar à CPI dos Correios as razões que o levaram a pagar, mensalmente, aluguel de R$ 2.200 e condomínio de mais de R$ 600 para o deputado no flat Blue Tree Towers, em Brasília, ambos tentam escondê-la com negativas recorrentes e ações judiciais contra jornalistas que insistem em mostrá-la. Mas as investigações da Lava-Jato jogaram por terra essa estratégia ao produzir uma coleção de provas de que a parceria é profunda e ativa.

Na visão dos investigadores, Funaro é o gestor financeiro do amigo político. Ao perceber o cerco se fechando, o doleiro, conhecido pelo temperamento impulsivo, teria começado a pressionar possíveis testemunhas da cobrança de propinas a empreiteiras. Uma delas está no horizonte dos investigadores. Eles tentam convencê-la a contar o que sabe. Por lei, o constrangimento de testemunha é considerado obstrução à marcha processual. Situação parecida levou à prisão o ex-senador do PT-MS Delcídio Amaral ano passado.

OPERAÇÕES SUSPEITAS
Funaro se aproximou de Cunha no governo de Rosinha Garotinho no Rio. De 2003 a 2006, uma corretora do doleiro teria provocado um rombo de R$ 39 milhões com operações suspeitas na Prece, o instituto de previdência dos funcionários da Companhia Estadual de Águas e Esgoto do Rio (Cedae). Na época, Cunha era aliado de Garotinho e tinha forte influência política na empresa.

Mais tarde, Funaro foi acusado de fazer pagamentos ilegais ao PL, hoje Partido da República (PR), no escândalo do mensalão. Livrou-se do indiciamento por concordar com a delação premiada. De acordo com a denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo, Funaro disse que ele e dois doleiros emprestaram R$ 3 milhões ao então presidente do PL, Valdemar Costa Neto, para cobrir despesas da campanha do partido em apoio à candidatura do então presidente Lula. Sobre Cunha, porém, nenhuma palavra.

Funaro continuou como uma sombra de Cunha quando o político começou a ditar as cartas em Furnas. Em dezembro de 2007, a estatal, depois de abrir mão de adquirir um lote de ações, mesmo tendo a preferência, o comprou oito meses depois, por R$ 73 milhões a mais, da Companhia Energética Serra da Carioca II, do grupo Gallway, empresa sediada nas Ilhas Virgens, conhecido paraíso fiscal, e que tinha Funaro como representante no Brasil.

REQUERIMENTO SOB MEDIDA
A parceria seguia oculta e inatacável até o dia 9 de janeiro de 2008, quando ocorreu um acidente fora dos planos da dupla: o rompimento da barragem de Apertadinho, uma pequena hidrelétrica que estava sendo construída em Vilhena, Rondônia. Na época, o prejuízo estimado em mais de R$ 60 milhões motivou uma briga judicial entre os dois parceiros no negócio — a Gallway, representada pela empresa Centrais Elétricas Belém (Cebel), e a Schahin. Ninguém queria assumi-lo.

Em denúncia em 2015 ao STF, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou que Cunha “se valeu dos serviços” da então deputada peemedebista Solange Almeida para obrigar a Schahin a assumir o prejuízo em Apertadinho. Ela foi a autora do requerimento de informações que cobrou explicações da empreiteira “sobre os prejuízos causados pela interrupção do empreendimento”.
De acordo com o delator Júlio Camargo, consultor da empreiteira asiática Toyo Setal, que se associou à Samsung para fornecer navios-sonda à Petrobras, Funaro foi um dos passageiros de voos em táxi aéreo faturados como parte do pagamento de propina a Eduardo Cunha para manter o contrato com a petroleira. Num dos voos, no dia 3 de setembro de 2014, Funaro e Cunha viajaram juntos nos trechos Congonhas/Brasília/Aeroporto de Jacarepaguá/Congonhas.


As investigações também revelaram que, em fevereiro e maio de 2012, a C3 Produções, de Cunha e sua mulher, Cláudia Cruz, aumentou seu patrimônio com a compra de dois carros: um Hyundai Tucson preto, ano 2009, que custou R$ 80 mil, e um Land Rover Freelander prata, ano 2008, a R$ 100 mil. Os carros foram pagos por duas empresas de Funaro, a Cingular Fomento Mercantil Ltda e a Royster Serviços S.A. A profusão de provas da parceria dá aos investigadores a certeza de que a delação de Funaro é mortal contra Cunha.


DEPUTADO TENTA MOSTRAR QUE MANTÉM COMANDO
Eduardo Cunha chegou a afirmar semana passada que reassumiria hoje seu gabinete na Câmara, mas no fim de semana desistiu da ideia. Com a volta ao gabinete ele pretendia dar aos aliados uma demonstração de que continua no comando. Mas recuou com medo da reação dos ministros do STF.
Cunha mira os exemplos de Valdemar da Costa Neto e Roberto Jefferson, que mantiveram o controle de seus partidos, o PR e o PTB, mesmo depois de condenados à prisão por envolvimento no mensalão.


Embora tente demonstrar que a rotina é a mesma, Cunha começa a dar sinais de cansaço. Em ano eleitoral, deixou de dar atendimento político no escritório da Avenida Nilo Peçanha, no Centro do Rio. Ele passa a maior parte do tempo em Brasília, formulando estratégias de defesa com os advogados. Cunha tenta também esconder a preocupação com a mulher, Cláudia Cruz, e duas filhas, Daniella e Camilla, investigadas pela Lava-Jato.


Um aliado garante que Cunha pretendia renunciar à Presidência da Câmara após a sessão do Senado que votou a abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff. O afastamento decidido pelo STF o surpreendeu. Obrigado a refazer os planos, ele conta com o apoio de políticos que considera peças-chave em seu projeto de poder sob o governo de Michel Temer.

Fazem parte do primeiro time de aliados de Cunha, segundo amigos, o secretário de Governo, Geddel Vieira Lima, o líder do Governo da Câmara, André Moura (PSC-SE), a presidente do PTB, deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), o deputado Júlio Lopes (PP-RJ), o deputado Paulinho da Força (Solidariedade), o deputado Joavir Arantes (PTB-GO), Valdemar Costa Neto (PR) e ainda setores do PSDB paulista, do PTN e a totalidade da bancada evangélica.
No atual governo, o diálogo de Cunha é mais difícil com Moreira Franco, secretário-executivo do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), e com Leonardo Picciani, ministro dos Esportes.


Nos corredores da Justiça, é dito que Cunha erra na estratégia ao prolongar o julgamento no Conselho de Ética da Câmara. Para esses críticos, uma eventual absolvição seria a melhor, talvez a única, forma de pressionar o Supremo a voltar atrás da decisão que o afastou da Presidência da Câmara.

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