Processo
nº. 358-79.2016.6.10.0013
Ação: AÇÃO
DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - AIJE
Representante(s): COLIGAÇÃO
"BACABAL RUMO AO FUTURO"
Representado(s): CARLOS
ALBERTO FERNANDES GUSMÃO e outros
SENTENÇA
Trata-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral ajuizada
pela coligação "Bacabal rumo ao Futuro", composta pelos partidos
PMDB, PSDB, PV, DEM, REDE, PT, PSB, PMB e PDT e representada pelo Sr. Marcelo
Almeida Conceição Junior, contra Carlos
Alberto Fernandes Gusmão, José Alberto Oliveira Veloso, José Vieira Lins e
Raimundo Florêncio Monteiro Neto.
A coligação
autora, por meio de seu representante, alega o cometimento de atos de abuso de
poder político, praticados pelo então secretário municipal de educação, Sr.
Carlos Alberto Fernandes Gusmão e, indiretamente, pelo Sr. José Alberto
Oliveira Veloso, à época prefeito de Bacabal, em favor das candidaturas de José
Vieira Lins e Raimundo Nonato Florêncio Monteiro Neto, respectivamente, aos
cargos prefeito e vice-prefeito desta cidade.
Segundo a
inicial, no dia 17 de julho de 2016, o então Secretário Municipal de Educação
convocou os servidores lotados no respectivo órgão para uma reunião
extraordinária a portas fechadas supostamente autorizada pelo então prefeito, a qual
foi gravada por um dos presentes.
Diz que na
reunião o então secretário ordenou aos servidores que comparecessem à convenção
do partido político ao qual o prefeito à época - Sr. José Alberto Oliveira
Veloso - era filiado, e avisou que caso não acatassem a decisão do prefeito em
apoiar à candidatura do Sr. José Vieira Lins e do Sr. Raimundo Nonato Florêncio
Monteiro Neto, seriam desvinculados da Secretaria.
Sustenta a
coligação representante que, em sua fala, o Secretário Carlos Gusmão deu claros
sinais de apoio às candidaturas da coligação "Bacabal vai vencer",
especialmente, quando menciona que houve uma conversa entre ele e o Sr. José
Vieira Lins, na qual este garantiu que se fosse eleito, não iria exonerar os
servidores municipais que o apoiassem nas eleições municipais de 2016.
Assevera que o
Sr. Carlos Alberto Gusmão foi taxativo ao avisar que os servidores que não
acatassem às suas ordens poderiam se dirigir ao setor de Recursos Humanos para
consequente desligamento e que houve violação ao teor dos arts. 14, da
Constituição Federal, 22, da Lei Complementar nº 64/90, 11, da Lei nº 8.429/92,
73, inciso V, da Lei nº 9.504/1997, e 62, da Resolução nº 23.457/TSE.
Ao final, a
coligação representante pugnou pela procedência dos pedidos deduzidos na ação,
com a imposição de multa aos Srs. Carlos Alberto Fernandes Gusmão e José
Alberto Oliveira Veloso, nos termos do §4° da Lei n° 9.504/97; a cassação dos
registros ou dos diplomas, dos Srs. José Vieira Lins e Raimundo Florêncio
Monteiro Neto; e a todos, a declaração de inelegibilidade, pelo prazo de 8
(oito) anos, nos termos do inciso XIV, do art. 22 da Lei Complementar n° 64/90.
Intimados, os investigados apresentaram
contestação dentro do prazo legal, nos termos do art. 22, I, "a", da
LC n° 64/90.
Procedeu-se
ainda a notificação do Ministério Público Eleitoral.
Às fls. 36-64, José Vieira Lins e Raimundo
Florêncio Monteiro Neto argumentaram em sua defesa que a gravação ambiental
clandestina em que se fundamenta a presente ação de investigação judicial é
prova ilícita e não se presta à comprovação de ilícito eleitoral, pois foi
realizada sem prévia autorização judicial e sem o conhecimento prévio daqueles
que foram gravados sem saber, o que viola diretamente suas intimidades.
Dizem que a
presente ação está baseada unicamente nesse áudio, prova ilícita não admitida
pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Os investigados José Vieira
Lins e Raimundo Florêncio Monteiro Neto alegam que não houve o
cometimento de qualquer ilícito e que o próprio Secretário em sua fala deixa
claro que, em um programa de televisão local, o prefeito à época deu uma
declaração afirmando que os funcionários da prefeitura teriam plena liberdade
para escolha dos candidatos em disputa, o que mostra que não houve
direcionamento político por parte da Administração Municipal, no sentido de
apoiar este ou aquele candidato.
Asseguram que
o secretário, durante a reunião, apenas manifestou o quadro eleitoral em
disputa na cidade e que não houve nenhuma orientação da administração municipal
tendente a quebra da igualdade entre os candidatos.
Sustentam que
há inconsistência quanto à data dos fatos, pois segundo a coligação
representante, a reunião aconteceu no dia 17 de julho de 2016, mas nessa data o
Sr. José Vieira Lins e o Sr. Raimundo Florêncio sequer haviam sido escolhidos
em convenção partidária, e o próprio prefeito, Sr. José Alberto Veloso, ainda
cogitava lançar-se para a reeleição, conforme matérias de sites jornalísticos
anexadas aos autos pelos investigados.
Garantem que
não há elementos que comprovem qualquer ligação entre o prefeito e o secretário
de educação com os candidatos a prefeito e vice naquela ocasião, e que
fotografias tiradas na convenção que homologou a candidatura de José Vieira e
Raimundo Florêncio mostram que nem lá estavam os Srs. José Alberto Veloso e
Carlos Gusmão.
Afirmam que as
notícias davam conta do contrário, ou seja, de que não havia acerto prévio
entre os candidatos investigados e o prefeito e o secretário, e que não existem
provas de qualquer ato de abuso de poder político, o que poderia ter sido
comprovado, caso tivesse ocorrido, através da juntada de documentos de
exoneração de funcionários
Apontam que as
condutas supostamente praticadas não são graves o suficiente para caracterizar
atos de abuso de poder político, diante da ausência de repercussão social dos
fatos, representando um fato isolado, sem relevância político-jurídica, e que
por não serem os responsáveis ou terem ao menos conhecimento da imputada
ilicitude, há que se mitigar o desvalor da conduta praticada.
Por fim, os investigados José Vieira
Lins e Raimundo Florêncio Monteiro Neto, após evidenciarem a ausência de
gravidade que tenha força de interferir na normalidade e legitimidade do
pleito, requereram a total improcedência dos pedidos deduzidos na ação, em
virtude da ilicitude probatória identificada e da inexistência de conduta
vedada ou abuso de poder político que justifiquem a imposição das penalidades
pretendidas.
Pugnaram pela
produção de todas as provas admitidas em direito, em especial, a oitiva de
testemunhas e a realização de perícia na mídia acostada aos autos, para
identificar eventuais edições feitas na gravação ambiental.
O representado
José Alberto Oliveira Veloso apresentou sua defesa, em petição de fls. 65-84, argumentando a ilicitude da
gravação ambiental clandestina apresentada pela coligação "Bacabal rumo ao
Futuro", ante a ausência de prévia autorização judicial e do consentimento
dos interlocutores e a ausência de elementos idôneos de prova que possam
atribuir aos investigados a prática de abuso de poder político.
Diz que não
teve participação alguma nos fatos que deram origem ao processo e que na época
em que ocorreu a reunião, dia 17 de julho, ainda tinha aspiração de concorrer à
reeleição para o cargo de prefeito.
Alega que não
houve o uso da Administração Pública para apoio político a outros candidatos,
já que não haveria motivo para o então secretário municipal procurar beneficiar
candidatos da oposição, e que não houve imposição de cunho político feita aos
servidores, muito menos qualquer autorização nesse sentido.
Assenta que,
em entrevista concedida à televisão local no dia 28 de julho de 2016 – mídia,
com degravação em anexo (fls. 80),
declarou que não iria mais concorrer à reeleição, deixando bem claro que os
seus correligionários e eleitores estavam livres para escolher os candidatos em
disputa.
Pugna pela não
admissão da utilização da gravação clandestina acostada aos autos, pela
improcedência dos pedidos deduzidos na ação e pela produção de todas as provas
admitidas em direito, em especial, oitiva de testemunhas e perícia sobre a
mídia para identificar eventuais edições e manipulações.
O Sr. Carlos Alberto Fernandes Gusmão apresentou
contestação, às fls. 86-99, afirmando
que a gravação feita na reunião do dia 17 de julho, é clandestina, por afronta
ao disposto no art. 5º, inciso LVI, da CF, já que não houve prévia autorização
judicial e nem consentimento dos interlocutores.
Sustenta o
representado que não há nos autos qualquer elemento probatório capaz de provar
a suposta coação exercida por ele contra servidores e contratados no sentido de
apoiar os candidatos José Vieira Lins e Raimundo Florêncio Neto nas eleições
municipais de 2016, não tendo o autor da ação se desincumbido de seu ônus
processual.
Alega que a
reunião aconteceu no dia 17 de julho de 2016, data em que o Sr. João Alberto
Oliveira Veloso ainda tinha pretensões políticas no sentido de se reeleger
prefeito de Bacabal, e que a presente ação tem por objetivo apenas tumultuar o
cenário político do município.
Requer a não
admissão da gravação clandestina, a realização de perícia sobre a mídia
acostada aos autos e a improcedência dos pedidos deduzidos na ação.
Em decisão
proferida à fl. 101, foram deferidos
os pedidos das partes para produção de provas testemunhal e pericial e
indeferido o pedido para produção de novas provas documentais, em razão da
preclusão de que trata o art. 434, do Código de Processo Civil. Determinou-se
também a expedição de ofício para o ICRIM, solicitando informações sobre os
peritos disponíveis em seu quadro de pessoal para posterior designação de
profissional, indicação de honorários e realização da perícia na mídia acostada
aos autos.
Como não houve
resposta ao ofício anteriormente expedido, em despacho de fls. 109, os autos do processo foram encaminhados à Polícia Federal
para cumprimento da determinação constante da decisão de fl. 101.
Laudo da
perícia realizada pela polícia federal às fl.
114-126.
Recebidos os
autos da Polícia Federal, em 07 de julho deste ano (fls. 127), foi proferido
despacho à fl. 129, determinando a intimação das partes para manifestarem-se em
até 72h (setenta e duas horas), sobre o laudo pericial e designando audiência
de instrução, para o dia 26 de julho de 2017, às 08h45m, na sala de audiência
da 2ª Vara de Bacabal/MA.
Em
manifestação de fl. 148/149, o Sr.
Carlos Gusmão alega que o laudo aponta como clarividente a edição do áudio, em
alguns pontos, com flagrante descontinuidade e alteração do padrão e que o
arquivo periciado não se trata da mídia original.
Diz que a
mídia regravada não tem capacidade de provar os fatos alegados e deve, por
isso, ser inutilizada enquanto elemento de prova.
Audiência
remarcada para o dia 02 de agosto deste ano, às 14h, ante a ausência
justificada, motivo de saúde, do representante do Ministério Público (fl. 156).
Termo da
audiência de instrução às fls. 158/172, donde consta a ausência do
representante da coligação “Bacabal rumo ao Futuro”, Sr. Marcelo Almeida
Conceição Júnior, bem como dos investigados.
As testemunhas
arroladas pela coligação representante foram ouvidas como informantes, diante
do acolhimento das contraditas apresentadas pelos advogados dos investigados. Após a
oitiva dos informantes, os advogados dos investigados requereram a dispensa da oitiva das
testemunhas por eles arroladas e a dilação do prazo comum de alegações finais
para 5 (cinco) dias, o que foi deferido pelo juízo.
Em alegações
finais de fls. 174/187, os investigados José Vieira Lins e Raimundo Florêncio Monteiro
Neto reforçam a tese de fragilidade das provas apresentadas, especialmente, da
gravação ambiental e da prova oral produzida em audiência, com a oitiva de
pessoas que não estavam presentes na reunião em que supostamente ocorreram os
fatos e com manifesto interesse na causa.
Alegam que, em
relação a gravação não foi apontado o local da gravação, não foi informada a
quantidade e nem a identidade das pessoas presentes, ou mesmo quem foi o autor
da gravação, e ainda, que não existem provas de que o Sr. Gusmão teve
participação ativa nas suas campanhas, ou mesmo de que fizera qualquer ato
político em favor dos ora investigados.
Dizem que
ainda que se entendesse como lícita a gravação ambiental apresentada pela
coligação autora, por ter sido realizada por um dos interlocutores, é prova
ilícita por violar a intimidade dos que foram gravados sem saber, em local que
não permitia o livre acesso ao público, conforme entendimento sustentado pelo
TSE.
Afirmam que
não anuíram para a realização da reunião e que as testemunhas ouvidas em juízo,
o foram na condição de informantes, dado o interesse na causa, não possuindo o
depoimento destas nenhum valor.
Garantem que
não houve a prática de abuso do poder político ou de qualquer conduta vedada e
que não há indício de prova da participação de ambos, ainda que de forma
indireta, em nenhum dos fatos narrados na inicial da ação, o que aponta para a
improcedência dos pedidos nela deduzidos.
Assentam,
preliminarmente, ser caso de indeferimento da petição inicial por inépcia da
petição inicial, ante a ausência de início de prova, por serem os fatos
inverossímeis e por ausência de seriedade; e ainda, por falta de fundamentação
fática e jurídica, ante a ausência de descrição do fato gerador e do direito.
No mérito,
asseguram, ainda em relação a gravação, que o áudio não foi gravado em lugar
aberto, pois se tratava de local fechado ao acesso público, e que não houve
identificação de quem seria o autor da gravação e nem a quantidade de pessoas
no local, o que torna a prova ilícita, nos moldes do entendimento do STF que
entende como lícita a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores,
desde que não haja causa legal de sigilo, reserva da conversação e quando for
utilizada em defesa própria.
Sustentam que
há afirmação inequívoca de que foi terceira pessoa, não identificada, e não um
dos interlocutores, que efetuou a gravação da reunião, o que atrai inegável
ilicitude a esta, e que para o TSE, mesmo que a gravação tenha sido feita por
um dos interlocutores, constitui prova ilícita.
Asseveram que
não praticaram qualquer ato capaz de configurar abuso de poder, tanto por
ausência de dolo quanto por ausência de benefício decorrente do ato imputado a
terceiro.
Requerem a
improcedência dos pedidos deduzidos na ação.
Carlos Alberto
Gusmão apresentou alegações finais em petição de fls. 189-199, aduzindo, preliminarmente, que, segundo entendimento
do TSE, a gravação ambiental, sem prévia autorização judicial, é prova ilícita,
por ser clandestina e de autor anônimo.
Invoca a
Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, e diz que a gravação ambiental somente
é viável quando utilizada como prova em investigação criminal.
Quanto ao
mérito, argumenta que as informantes ouvidas em juízo demonstraram parcialidade
e muita paixão em suas afirmações e que não presenciaram o investigado praticar
algum ato que configure abuso do poder político, tendo ambas referido apenas
que ouviram dizer.
Garante que as
provas produzidas pela coligação representante são insuficientes para
demonstrar a ligação do representado com os fatos, e que limitaram-se a afirmar
que houve uma reunião no dia 17 de julho, data em que a cidade de Bacabal ainda
não possuía candidato definido, nem poderia se falar que a máquina pública foi
utilizada em favor de algum deles.
Ao final,
pugnou pelo indeferimento e desentranhamento da gravação ilegal, feita para
captar suposta conversa do investigado e também pela total improcedência dos
pedidos.
O representado
José Alberto Oliveira Veloso, da mesma forma que os demais investigados, em
sede de preliminar, afirmou em suas alegações finais (fls. 201-210) que, mesmo não tendo participação nos fatos relatados
na inicial, a gravação ambiental em que se fundamenta a presente demanda é
completamente ilegal, por contrariar previsões constitucionais e julgados do
TSE.
No mérito,
afirma que não há nos autos elemento de prova que possa atribuir aos investigados a prática de
abuso de poder político, e que, enquanto representado, não foi candidato e nem
apoiou candidato ou grupo político algum, conforme fazem prova as entrevistas
que concedera, as quais foram de amplo conhecimento da população da cidade,
onde afirmava categoricamente que não iria se candidatar à reeleição.
Diz que não
teria como coagir seus correligionários e muito menos servidores públicos no
sentido de votar em quem quer que fosse e que a oitiva das informantes, que não
presenciaram os fatos, em audiência de instrução, deixou claro o interesse
delas na causa, já que teriam feito campanha para o então candidato a prefeito
da coligação representante, o Sr. Roberto Costa.
Argui que caberia
à coligação representante provar a gravidade dos atos supostamente praticados
pelo Sr. Carlos Gusmão, com a demonstração de que houve mudanças na rotina
administrativa da Secretaria, nas relações entre os servidores do órgão ou até
se alguém se sentiu coagido, o que não foi feito pela coligação investigante.
Requereu o
acolhimento da preliminar e a improcedência dos pedidos deduzidos na ação.
A coligação
"Bacabal rumo ao Futuro" apresentou suas alegações em petição de fls. 212-219, sustentando que não há
ilicitude alguma no áudio gravado, como afirmam os investigados, pois
realizada por interlocutor convidado para a
reunião e na presença de diversas pessoas, o que não implica violação de
direito à privacidade.
Alega que os
atos de abuso de poder político, imputados ao Secretário e ao prefeito, à
época, consistentes nos desvios de conduta que são vedadas a agentes públicos
pela legislação eleitoral, estão plenamente caracterizados pelo teor da
gravação realizada, bem como as candidaturas beneficiadas, e que conforme
julgados do TSE, os atos de abuso de poder político, estão configurados quando
o agente público, valendo-se de sua condição, compromete a igualdade da disputa
e a legitimidade das eleições em proveito da sua candidatura ou de terceiros, o
que diz que, de fato, aconteceu.
Diz que, além
de abuso de poder político, estaria configurado ato de improbidade
administrativa, nos termos do art. 11, I, da Lei n° 8.429/92, por ofensa aos
princípios que regem a Administração Pública, especialmente a legalidade e
moralidade, e que também houve violação por parte do Secretário e do então
Prefeito, Sr. José Alberto Oliveira Veloso, do art. 73, V, da Lei n° 9.504/1997
e do art. 62, da Res. n° 23.457/15, que estabelecem as condutas vedadas aos
agentes públicos servidores ou não no contexto do processo eleitoral.
Assenta a
coligação representante que as condutas praticadas diretamente pelo secretário
e indiretamente pelo prefeito também não estão em conformidade com as
recomendações feitas pela Promotoria de Justiça Eleitoral de Bacabal (Ofício
Circular n° 01/2016 - PJE-PPE 3269-257/2016), encaminhadas aos entes públicos e
agremiações partidárias desta circunscrição.
Requer a
coligação autora que sejam consideradas lícitas as provas apresentadas na
inicial, bem como sejam julgados totalmente procedentes os pedidos apresentados
na inicial da ação, para reconhecer a responsabilidade dos investigados por
abuso de poder político, para o fim de aplicar aos dois primeiros multa, nos
termos do §4° da Lei n° 9.504/97; aos Srs. José Vieira Lins e Raimundo
Florêncio Monteiro Neto, a cassação dos registros ou dos diplomas; e a todos, a
declaração de inelegibilidade pelo prazo de 8 (oito) anos, nos termos do inciso
XIV, do art. 22 da Lei Complementar n° 64/90.
O Ministério Público
Eleitoral, em petição de fls. 221-224,
asseverou que não há que se cogitar da ilicitude da prova apresentada, já que
um dos interlocutores presentes na reunião for que a fez, o que não gera
impedimento algum nesse sentido. Apresentou jurisprudência eleitoral, afirmando
ter como objetivo, reforçar o caráter
lícito das provas obtidas nesses casos.
Quanto ao
mérito, alega o representante do MPE que não há dúvidas de que os investigados
Carlos Gusmão e José Alberto Veloso fizeram uso indevido do poder político que
detinham, com o objetivo de garantir o voto daqueles que prestavam serviços
junto à Prefeitura, sejam contratados, sejam servidores, o que se conclui da
gravação feita que, devidamente periciada, está livre de edições ou
manipulações fraudulentas, conforme laudo pericial acostado aos autos.
Garante que a
imposição feita pelo secretário de educação para que os servidores e
contratados comparecessem à convenção do partido político ao qual o prefeito, à
época, é filiado, demonstra claramente a vantagem obtida pelos investigados
José Vieira Lins e Raimundo Florêncio, os quais estavam cientes dessa situação,
prova disso é que o Sr. José Vieira Lins havia prometido a permanência do
investigado Carlos Gusmão no seu eventual governo.
É o que cabia relatar. Passo a decidir.
Preliminarmente, os investigados José Vieira Lins e Raimundo
Florêncio Monteiro Neto, alegaram ser caso de indeferimento da petição
inicial por inépcia, ante a ausência de início de prova, por serem os fatos
inverossímeis e por ausência de seriedade; e ainda, por falta de fundamentação
fática e jurídica, ante a ausência de descrição do fato gerador e do direito.
A prefacial não merece prosperar.
Da análise da
inicial da ação de investigação judicial eleitoral, vejo claramente que, diferentemente
do que tentam fazer crer os investigados, os fatos a eles atribuídos foram
narrados e a fundamentação jurídica tida por aplicável ao caso, foi devidamente
indicada pela coligação representante.
A discordância
dos investigados em relação a fundamentação de fato ou de direito apresentada
pela coligação representante, não importa em sua ausência.
Outrosssim, a
partir da descrição dos fatos compete ao magistrado proceder a adequação da
fundamentação jurídica que entende aplicável ao caso concreto, em conformidade
com o princípio mihi factum dab tibi jus.
Nesse sentido,
o julgado abaixo transcrito:
DECISÃO:
ACORDAM OS DESEMBARGADORES INTEGRANTES DA DÉCIMA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, POR UNANIMIDADE DE VOTOS, EM DAR PROVIMENTO AO
AGRAVO RETIDO E AO RECURSO DE APELAÇÃO. EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - PLANO DE SAÚDE
- AGRAVO RETIDO - PROVIMENTO - CERCEAMENTO DO DIREITO À PROVA - INÉPCIA DA
INICIAL POR AUSÊNCIA DE CAUSA DE PEDIR - INOCORRÊNCIA - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA MIHI FACTUM DABO TIBI JUS - SENTENÇA DESCONSTITUÍDA - RETORNO
DOS AUTOS À INSTÂNCIA DE ORIGEM. AGRAVO RETIDO PROVIDO. RECURSO DE APELAÇÃO
PROVIDO. 1. O cerceamento ao direito à produção de provas somente ocorrerá se
houver alegações de fato relevantes e controvertidas que dependam de provas
pertinentes.In casu, verifica-se a necessidade da produção de provas para a
análise dos contratos de plano de saúde e demonstração da prática abusiva da
operadora. 2. Face ao brocardo jurídico da mihi factum dabo tibi jus (dá-me
os fatos e te darei o direito), impõe-se ao Julgador analisar as situações
fáticas narradas, qualificando-as juridicamente, ainda que se mostrem
embaraçadas. 3. Impõe afastar a inépcia da inicial por ausência de causa de
pedir, na medida em que a presente demanda não visa apenas a retomada do
contrato anterior em substituição ao vigente, e sim, a anulação deste novo
contrato por vício de consentimento. 4. Inviável, porém, o imediato julgamento
da lide, na forma do art.515, §3º do Código de Processo Civil, por não se
revelar prudente ao órgão recursal analisar aquilo que não foi objeto de
apreciação pelo juiz singular, sob pena de supressão de instância e usurpação
de competência. (TJPR - 10ª C.Cível - AC - 1307879-0 - Região Metropolitana de
Londrina - Foro Central de Londrina - Rel.: Luiz Lopes - Unânime - - J.
23.07.2015) grifei
Vejo também
que há início de prova, qual seja, CD de aúdio, com o registro de gravação
ambiental, cuja licitude ou ilicitude será analisada a seguir, por se tratar de
questão preliminar levantada por todos os investigados.
A ausência de
verossimilhança e de seriedade dos fatos narrados na inicial, tem a ver com a
procedência ou improcedência dos pedidos deduzidos na ação, tratando-se,
portanto, de matéria de mérito, a ser analisada no momento apropriado, qual
seja, o da realização do juízo de mérito, e não quando do juízo de
admissibilidade da ação.
Discorrendo
sobre o tema, ensina Fredie Didier Júnior que:
“Toda postulação se sujeita a um duplo exame do
magistrado: primeiro, verifica-se se será possível o exame do conteúdo da
postulação; após, e em caso de um juízo positivo no primeiro momento,
examina-se a procedência ou não daquilo que se postula. O primeiro exame
"tem prioridade lógica, pois tal atividade [análise do conteúdo da postulação]
só se há de desenvolver plenamente se concorrerem os requisitos indispensáveis
para tornar legítimo o seu exercício".[38]-[39] No juízo de admissibilidade, verifica-se a existência dos
requisitos de admissibilidade. Distingue-se do juízo de mérito, que é aquele
"em que se apura a existência ou inexistência de fundamento para o que se
postula, tirando-se daí as conseqüências cabíveis, isto é, acolhendo-se ou rejeitando-se
a postulação. No primeiro, julga-se esta admissível ou inadmissível;
no segundo, procedente ou improcedente"[40]. Por isso que se fala em admissibilidade do recurso, da petição
inicial, da denunciação da lide etc.”[1] grifei
Importante registrar, que os
investigados José Vieira Lins e
Raimundo Florêncio Monteiro Neto afirmaram que o juiz é obrigado a reconhecer
de ofício a inépcia da inicial e de proceder, em casos que tais, a extinção do
processo no seu nascedouro.
Com efeito, assiste
razão aos investigados José Vieira Lins e Raimundo Florêncio Monteiro Neto em
seu argumento, quanto a possibilidade de o juiz, de ofício, reconhecer a
inépcia. Todavia, assim o fará, quando houver a citada inépcia da petição
inicial, o que não é o caso dos autos.
Desta feita, rejeito a preliminar
de inépcia da inicial levantada pelos investigados José Vieira Lins e Raimundo Florêncio Monteiro Neto.
Quanto a preliminar
de ilicitude da prova apresentada, qual
seja, gravação de áudio de reunião realizada pelo secretário de educação do
município de Bacabal, com os servidores do respectivo órgão do município, face
a ausência de ordem judicial autorizadora e a violação ao princípio da
intimidade, passo agora a analisar.
Sobre o direito a
intimidade, a Constituição Federal, dispõe que:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X -
são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado
o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação;”
Em interpretação a
citada previsão, o Supremo Tribunal Federal vem se posicionando no sentido de
admitir as gravações quando realizadas por um de seus interlocutores. Vejamos.
“AGRAVO
REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO QUE NÃO ATACA TODOS OS FUNDAMENTOS
DA DECISÃO AGRAVADA. PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIA
PROBATÓRIA. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL DA MATÉRIA. PROVA. GRAVAÇÃO AMBIENTAL.
LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. CONTROVÉRSIA DECIDIDA COM BASE NO CONJUNTO
FÁTICO - PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 279/STF. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 93,
IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A petição de agravo não impugnou todos os
fundamentos da decisão que inadmitiu o recurso. Nesses casos, é inadmissível o
agravo, conforme a orientação do Supremo Tribunal Federal. Precedente. 2. O
Supremo Tribunal Federal já assentou a inexistência de repercussão geral da
questão relativa à obrigatoriedade de observância das garantias constitucionais
do processo ante o indeferimento, pelo juiz, de determinada diligência
probatória. Precedentes. 3. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, após
assentar a repercussão geral da matéria, reafirmou sua jurisprudência no
sentido de ser válida a gravação obtida por um dos interlocutores sem o
conhecimento do outro. Precedente. 4. O exame do recurso extraordinário
permite constatar que, de fato, a hipótese envolveria alegadas violações à
legislação infraconstitucional, sem que se discuta o seu sentido à luz da
Constituição. 5. A resolução da controvérsia demandaria o reexame dos fatos e
provas constantes dos autos, o que é vedado em recurso extraordinário.
Incidência da Súmula 279/STF. 6. Quanto à alegação de ofensa ao art. 93, IX, da
Constituição, o Plenário deste Tribunal já assentou o entendimento de que as
decisões judiciais não precisam ser necessariamente analíticas, bastando que
contenham fundamentos suficientes para justificar suas conclusões. 7. Agravo
regimental a que se nega provimento. (RE 685764 AgR, Relator(a): Min.
ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 07/04/2015, PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-075 DIVULG 22-04-2015 PUBLIC 23-04-2015) (grifei)
“AGRAVO
REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PENAL. CRIME DE CORRUPÇÃO
ATIVA DE TESTEMUNHA. GRAVAÇÃO AMBIENTAL REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES.
POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PELO PLENÁRIO NO RE 583.937-QO-RG.
REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. FLAGRANTE PREPARADO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO
- PROBATÓRIO. SÚMULA 279/STF. INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.
SÚMULAS 282 E 356/STF. 1. O flagrante preparado, quando afastada sua
caracterização pelas instâncias ordinárias, encerra a análise do conjunto
fático-probatório constante dos autos. Precedente: AI 856.626-AgR, Rel. Min.
Cármen Lúcia, Segunda Turma. 2. É lícita a gravação ambiental realizada
por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro, podendo ela ser
utilizada como prova em processo judicial, conforme reafirmação da
jurisprudência desta Corte feita pelo Plenário nos autos do RE nº
583.937-QO-RG, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe de 18/12/2009. 3. O
prequestionamento da questão constitucional é requisito indispensável à
admissão do recurso extraordinário. 4. As Súmulas 282 e 356 do STF dispõem, respectivamente,
verbis: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na
decisão recorrida, a questão federal suscitada” e “o ponto omisso da decisão,
sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não podem ser objeto de
recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”. 5. In
casu, o acórdão recorrido assentou: “PENAL E PROCESSO PENAL. CORRUPÇÃO ATIVA DE
TESTEMUNHA. ARTIGO 343 DO CP. FLAGRANTE ESPERADO. GRAVAÇÃO DE CONVERSA POR
PARTE DE UM DOS INTERLOCUTORES. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO. COAÇÃO NO CURSO
DO PROCESSO. ARTIGO 344 DO ESTATUTO REPRESSIVO. AUSÊNCIA DE PROVAS. MANUTENÇÃO
DA ABSOLVIÇÃO. DOSIMETRIA DAS PENAS. CULPABILIDADE. PERSONALIDADE. AGRAVANTE.
ARTIGO 61, II, ‘B’, DO CÓDIGO PENAL. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA SUBSTITUTIVA. PERDA
DO CARGO.” 6. Agravo regimental DESPROVIDO (ARE 742192 AgR, Relator(a):
Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 15/10/2013, PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-214 DIVULG 28-10-2013 PUBLIC 29-10-2013) grifei
Nos julgados acima
transcritos, o intérprete maior da Constituição Federal – STF -, fazendo
referência a julgado anteriormente proferido pelo plenário da corte, que
reconheceu a existência de repercussão geral no recurso extraordinário nº
583.937 – RJ, assentou que a gravação ambiental realizada por um dos
interlocutores sem consentimento do outro, é prova lícita e não importa em
violação ao direito a intimidade, nem na proibição de que trata o inciso XII,
do art. 5º da CF.
Decidindo pela
ausência de violação ao art. 5º, inciso XII, e mesmo ao direito a intimidade,
os ministros ainda fizeram referência a outro julgado em que ficou sedimentado
que o referido regramento constitucional “protege os interlocutores da
ciência, por terceiro, à sorrelfa, mediante a chamada interceptação telefônica,
do que entre os dois se conversou, nada mais que isso”. E acrescentam, citando o ministro Sepúlveda Pertence, quando do
julgamento do RE nº 583.937 – RJ, que “ali não se contém proibição de que um dos interlocutores
faça a prova da conversa de que participou”, podendo incidir outro tipo de proibição, “não apenas de ordem moral,
como as decorrentes dos deveres explícitos de sigilo que atingir a gravação,
não por ter sido gravada, mas por ter sido revelada a outrem: é o caso do
advogado, do médico, do confessor...”
Argumentaram todos os
investigados que a gravação é clandestina e, por isso, ilícita. Todavia, a
gravação clandestina é aquela realizada sem o conhecimento de todos os
participantes, não resultante, daí a conclusão de que se trata de prova ilícita.
A ilicitude da prova,
em casos que tais, decorre da violação a intimidade e de sua interceptação por
terceiro.
No tocante a
intimidade, os investigados, fazendo referência a julgados do Tribunal Superior
Eleitoral, afirmam que como a gravação não foi precedida de autorização
judicial e não ocorreu em local aberto, em local público, houve violação ao
direito a intimidade.
Ocorre que, o
Tribunal Superior Eleitoral, se manifestou em 2016, no sentido de que a
gravação ambiental, ainda que clandestina, se não se destinar a obtenção de
flagrante preparado, em que o eleitor busca simular captação ilícita de
sufrágio, é prova lícita, ainda que não se destine ao exercício do direito de
defesa.
O Tribunal Superior
Eleitoral, no julgamento dos HC nºs
30808 e 44405, em março de 2016, sedimentou que “a
gravação realizada pelo cidadão em sua residência é
reconhecida pela jurisprudência do TSE como prova eminentemente ilícita,
pois faz presumir o engodo, ferindo a intimidade e a privacidade das pessoas,
uma vez que as dissimulações de conversas em local privado, órbita
acastelada por proteção constitucional máxima, não podem prevalecer, sob
pena de se defender o engodo, o teatro e pequenos factóides”. Na oportunidade,
o próprio Ministro Gilmar Mendes, ainda esclareceu que a justiça
eleitoral "tem rechaçado a gravação em ambiente particular feita com
especial intenção de captar cena montada por adversários
políticos, a fim de criar um fato negativo", devendo ser
considerada uma prova ilícita para réus, mas não para o eleitor que pretendia
vender o voto, sendo, pois, o caso de requisição de abertura de inquérito
policial em face de NASCIMENTO (HCs 30808 e 44405 – TSE).
Todavia, em não se
tratando de flagrante preparado pelo eleitor em sua residência, o TSE tem
admitido a licitude da prova, mormente em casos como o dos autos, em que a
gravação foi realizada em uma reunião, o que pressupõe a presença de número
maior de pessoas, os detentores de cargos e funções, na secretaria municipal de
educação.
Ora, ao se tratar de
reunião realizada com várias pessoas – quem sejam – os de ocupantes de cargos
de confiança, em órgão público, não há se falar em gravação em local protegido
pelo direito a intimidade, à vida privada, nos moldes de que trata o art. 5º,
inciso X, da CF.
Os julgados
colacionados pelos investigados, tratam de gravações realizadas no âmbito
residencial, ou seja, nas casas dos candidatos ou dos eleitores, com o objetivo
de simular a prática de atos relacionados a compra de votos, dentre outros,
quando então é considerada ilícita a gravação clandestina pelo TSE.
No caso em tela,
repito, a reunião e não a conversa ou o encontro entre duas
pessoas, ocorreu em repartição pública com os ocupantes de cargos e funções
comissionadas e não na casa do secretário de educação do município ou de algum
eleitor, envolvendo apenas este e aquele, razão pela qual é equiparado a local
público e não privado/fechado, como tentam fazer crer os investigados.
Vale ressaltar, que o
fato de não ter sido revelada a identidade do participante da reunião que
gravou a fala do secretário, não retira a licitude da prova, pois da análise do
conteúdo do áudio, tenho que a gravação também incluiu comentários/falas, ainda
que em forma de cochicho, da própria pessoa responsável pela gravação.
Outrossim, também da
análise do conteúdo da gravação, tenho não haver que se falar em induzimento a
prática de qualquer ato, pois a convocação para a reunião partiu do secretário
e não foi ele, em nenhum momento, incitado a dizer, pelos demais participantes
da reunião, aquilo que porventura não quisesse. Ao contrário, pois foi
praticamente só o secretário que falou durante toda a reunião.
Mutatis mutandis, o julgado abaixo transcrito:
“Recurso. Ação de investigação
judicial eleitoral. Abuso de poder. Art. 22 da Lei Complementar n. 64/90.
Representação. Captação ilícita de sufrágio. Condutas vedadas. Arts. 41-A e 73,
incs. I e III, ambos da Lei n. 9.504/97. Eleições 2012. Matéria preliminar
afastada. Licitude da gravação ambiental de reunião realizada em local público, com a
presença de várias pessoas, sem qualquer indício de violação à intimidade ou quebra da expectativa de privacidade. Não vislumbrado o alegado cerceamento de defesa por tratamento desigual às partes ou
indeferimento de prova pericial. Legalidade da denúncia apresentada com base em
áudio entregue por terceiros ao Ministério Público Eleitoral, em conformidade
com o art. 22 da Lei Complementar n. 64/90. Reunião em sala de posto de saúde
municipal, durante o horário de expediente dos agentes comunitários, com fins
eleitorais. Acervo probatório alicerçado em gravação ambiental e prova
testemunhal, apto a demonstrar a utilização da condição funcional – chefe do
Poder Executivo, assessor jurídico municipal e secretário de saúde – para, mediante coação, captar votos
e arregimentar força de trabalho para a campanha eleitoral dos representados candidatos. Ato de autoridade tendente a afetar a igualdade de oportunidades entre os disputantes ao pleito. Evidenciados o abuso de poder, a conduta vedada e a captação ilícita de sufrágio. Sentença de procedência confirmada. Manutenção das penalidades de multa, da declaração de inelegibilidade e da exclusão dos partidos integrantes da coligação representada na distribuição dos recursos do
Fundo Partidário, oriundos das multas aplicadas, nos termos do disposto no § 9º do art. 73 da Lei n. 9.504/97.
Provimento negado. (TRE-RS. PROCESSO: RE 737-95.2012.6.21.0096. Data do
julgamento: 15 de junho de 2016).
Ademais, cabe
relembrar, que nenhum direito fundamental é absoluto, podendo sofrer limitações
quando confrontado com outros de igual ou maior importância. Sendo que, no caso
dos autos, há que prevalecer sobre eventual direito a intimidade do investigado
cuja fala foi gravada, a proteção ao regime democrático e a liberdade de sufrágio,
afora o princípio republicano e os princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade, devendo ser ressaltado que, no âmbito eleitoral, os
interesses coletivos recebem especial relevo[2].
Sobre
as provas e sua licitude, importante trazer a baila os ensinamentos de José
Jairo Gomes[3]:
“É já um truísmo dizer que provas obtidas
por meios ilícitos não são admissíveis no processo (CF, art. 5º, LVI) – em
qualquer processo, não apenas no criminal, mas também no civil e no eleitoral.
São ilícitas as provas alcançadas com violação de direitos fundamentais e,
pois, de personalidade. Não importa se a violação foi cometida por particular
ou por agente público. O Direito, convém repetir, é ético, e deve pautar-se
sempre por esse norte. Não é possível, no Estado Democrático de Direito, que a
formação da convicção do órgão judicial se dê com base em elementos probatórios
alcançados ilegitimamente, sem o necessário lastro ético-jurídico.
No
entanto, insta assinalar que os direitos fundamentais – como, aliás, o próprio
Direito – não são dotados de caráter absoluto. Ademais, os cânones da unidade da Constituição e da coerência
do ordenamento não afastam a ocorrência de inúmeras e diferentes valorações no
interior do mesmo sistema jurídico. Não obstante, todos os bens jurídicos são
credores de efetiva e real proteção legal e jurisdicional. Nessa medida,
havendo colisão entre princípios constitucionais, devem ser postos em harmonia,
em diálogo, o que se alcança mediante juízo de proporcionalidade. Este exige
que os princípios em conflito sejam ponderados
à luz do caso concreto, de maneira a prevalecer o que merecer melhor proteção
da ordem jurídica (ou seja, o que detiver maior peso), paralisando-se a
incidência do outro.
(…)
Nessa
perspectiva, em determinadas situações, a rigidez própria dos princípios
constitucionais haverá de ser flexibilizada, de maneira que a prova ilícita
seja aceita e valorada no processo.
(...)
Assim,
o melhor é que a admissão da prova ilícita seja avaliada criteriosamente à luz
do princípio da proporcionalidade; para aceitá-la, deve o intérprete ponderar
as circunstâncias e os valores em jogo à vista do caso prático a ser resolvido.
É nesse sentido a lição de Marinone e Arenhart (2007, p. 393): 'O uso da prova
ilícita poderá ser admitido [no cível], segundo a lógica da regra da
proporcionalidade e como acontece quando há colisão entre princípios, conforme
as circunstâncias do caso concreto.'
O
sistema de provas estabelecido no Código de Processo Civil é inteiramente
aplicável na seara eleitoral e, também, na AIJE. Há, porém, peculiaridades
próprias desse ramo do Direito. Havendo conflito entre disposições do CPC e de
normas eleitorais, estas prevalecem ante a incidência do princípio da
especialidade.”
Assim,
em se tratando de gravação de comunicação própria, feita para se comprovar
relevantes interesses e direitos, os tribunais têm admitido como válida como
lícita a referida prova.
Neste
sentido, confira-se posicionamento recente dos Tribunais Pátrios:
“RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE
INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL POR CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E ABUSO DO
PODER ECONÔMICO. CARGOS DE PREFEITO E VICE-PREFEITO. ALEGAÇÃO DE ILICITUDE DA
PROVA. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. REGISTRO DE CONVERSA E IMAGENS POR UM DOS
INTERLOCUTORES SEM O CONHECIMENTO DO OUTRO. LOCAL ABERTO AO PÚBLICO. LICITUDE
DA PROVA. PRECEDENTES. DISTRIBUIÇÃO DE COMBUSTÍVEL A CORRELIGIONÁRIOS E
SIMPATIZANTES PARA O FIM DE PARTICIPAÇÃO EM CARREATA. DOLO ESPECÍFICO NÃO
DEMONSTRADO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E ABUSO DO PODER ECONÔMICO NÃO
CARACTERIZADOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. MANTIDA A SENTENÇA QUE JULGOU
IMPROCEDENTE A AIJE. 1. Licitude da prova obtida por meio de gravação ambiental
realizada por um dos interlocutores, sem a ciência do outro (registro de local
público, posto de combustível), para documentar a ocorrência de eventuais
ilícitos a serem apurados em juízo. Ademais, verifica-se na conversa gravada a
ausência de causa legal de reserva de sigilo (suposta distribuição de
combustível em troca de voto). Precedentes. (...) (RE 46733 GO, Relator(a):LEONARDO BUISSA FREITAS, j.
20/05/2013)”
“Recursos Eleitorais. Ação de
Investigação Judicial Eleitoral. Captação Ilícita de Sufrágio e Abuso de Poder
Econômico. Procedência Parcial. Candidato a Vereador. Cassação do Registro de
Candidatura e Multa. Improcedência dos Pedidos em Relação aos Candidatos a
Prefeito e Vice-Prefeito eleitos. Preliminar de ilicitude da prova. Gravação
ambiental clandestina. Alegações acerca de validade e valoração da prova
concernem ao mérito da demanda. Rejeitada. Gravação clandestina. Utilização
como meio de prova. Admissibilidade. A jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal reconhece a admissibilidade do uso, como meio de prova, de gravação
ambiental realizada por um dos interlocutores, sem a ciência dos demais, quando
ausente causa legal de reserva de sigilo Doação de telhas de amianto em troca
de voto. Comprovação da captação ilícita praticada pelo candidato a Vereador.
Fragilidade do acerco probatório em relação à participação ou anuência do
candidato a Prefeito na conduta ilícita. Recursos a que se nega provimento.
(TRE-MG - RE - nº 90098 – inhapim/MG, Relator(a) MAURÍCIO PINTO FERREIRA, j.
06/02/2013)”
“Agravo de instrumento.
Decisão que indeferiu o pedido de reconhecimento de ilicitude de prova de áudio
ambiental. Ação de investigação judicial eleitoral - AIJE. Preliminar.
Inadmissibilidade do recurso. Suscitada de ofício.É cabível agravo de
instrumento contra decisão interlocutória proferida em ação de investigação
judicial eleitoral - AIJE. Rejeitada. Mérito. A gravação clandestina feita por
um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, não constitui interceptação
vedada pela Constituição da República Federativa do Brasil. Precedentes. Agravo
de instrumento não provido. ( TRE-MG RE - nº 69043 – sobrália/MG, j. 13/09/2012)”
Sobre
o tema, mais precedentes do Supremo Tribunal Federal, guardião da nossa
Constituição, responsável por solucionar os conflitos envolvendo direitos
fundamentais:
PROCESSUAL CIVIL. SEGUNDO AGRAVO
REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPROVAÇÃO TARDIA DE TEMPESTIVIDADE.
POSSIBILIDADE. MATÉRIA DECIDIDA PELO TRIBUNAL PLENO NO RE 626.358 AGR, MIN.
CEZAR PELUSO, DJE DE 23/08/2012. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO CONTRA DECISÃO QUE DÁ
PROVIMENTO A AGRAVO DE INSTRUMENTO. POSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL QUE
DISCUTE O PRÓPRIO CONHECIMENTO DO RECURSO. GRAVAÇÃO TELEFÔNICA REALIZADA POR UM
DOS INTERLOCUTORES. LICITUDE. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO COMO PROVA EM
PROCESSO JUDICIAL. PRECEDENTES. 1. É pacífico na jurisprudência do STF o
entendimento de que não há ilicitude em gravação telefônica realizada por um
dos interlocutores sem o conhecimento do outro, podendo ela ser utilizada como
prova em processo judicial. 2. O STF, em caso análogo, decidiu que é admissível
o uso, como meio de prova, de gravação ambiental realizada por um dos
interlocutores sem o conhecimento do outro (RE 583937 QO-RG, Relator(a): Min.
CEZAR PELUSO, DJe de 18-12-2009). 3. Agravo regimental a que se nega
provimento. (AI 602724,
Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI j.:06/08/2013)
“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE
INSTRUMENTO. GRAVAÇÃO AMBIENTAL FEITA POR UM INTERLOCUTOR SEM CONHECIMENTO DOS
OUTROS: CONSTITUCIONALIDADE. AUSENTE CAUSA LEGAL DE SIGILO DO CONTEÚDO DO
DIÁLOGO. PRECEDENTES. 1. A gravação ambiental meramente clandestina, realizada
por um dos interlocutores, não se confunde com a interceptação, objeto cláusula
constitucional de reserva de jurisdição. 2. É lícita a prova consistente em
gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem
conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de
reserva da conversação. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido. (AI
560223, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, j. 12/04/2011)”
Desse modo, tenho por
lícita a gravação ambiental clandestina colacionada aos autos, e assim, rejeito
a prefacial de ilicitude da prova apresentada pela coligação representante.
Passo a análise de
mérito da ação.
Cuida-se de ação de
investigação judicial eleitoral proposta contra os investigados,
atribuindo-lhes a prática de abuso do poder político, pela utilização da
condição de agente público, de autoridade pública, para instar os ocupantes de
cargos e funções de confiança na Secretaria de Educação de Bacabal a
apoiar/aderir a campanha do candidato apoiado pelo prefeito e por seu secretário
de educação, autor da reunião, sob pena de perda do cargo comissionado ou
função, com a orientação/imposição para que passassem no setor de Recursos
Humanos da secretaria, caso não aderissem a orientação dada na reunião.
O abuso de poder, na
esfera eleitoral, seja ele político ou econômico, encontra previsão no
ordenamento jurídico no art. 19 da LC nº 64/90. Vejamos:
“Art. 19. As transgressões
pertinentes à origem de valores pecuniários, abuso do poder
econômico ou político, em detrimento da liberdade de voto,
serão apuradas mediante investigações jurisdicionais realizadas pelo
Corregedor-Geral e Corregedores Regionais Eleitorais.
Parágrafo
único. A apuração e a punição das transgressões mencionadas no caput
deste artigo terão o objetivo de proteger a normalidade e legitimidade das
eleições contra a influência do poder econômico ou do abuso do
exercício de função, cargo ou emprego na administração direta, indireta e
fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.”
Discorrendo sobre o tema, leciona Marcílio Nunes
Medeiros que o abuso de poder de autoridade “consiste no uso (ou promessa de
uso) excessivo, desviado ou indevido do poder que é conferido ao agente
público, no exercício de função, cargo ou emprego público, na Administração
direta, indireta e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios com vistas ao benefício de candidato ou partido político ou tendente
a afrontar a liberdade de voto”[4].
Ainda sobre o tema, acrescenta o citado autor
que “incide a norma sobre aqueles agentes públicos que dispõem de poder
administrativo discricionário e não sobre meros servidores exercentes de cargos
ou funções de menor importância na Administração”.
Por sua vez, José Jairo Gomes, também tratando do tema, inicia
sua abordagem definindo político como o vocábulo derivado de polis, que significa
cidade, Estado, e afirmando que o poder político, consequentemente, refere-se
ao poder estatal.
Mais adiante, ressalta o citado
autor que dada a sua natureza abstrata, o Estado manifesta-se através de seus
agentes públicos, que devem sempre guardar obediência em sua atuação aos
princípios constitucionais previstos no art. 37, da Constituição Federal, ou
seja, a ação administrativo-estatal deve necessariamente pautar-se pelo
atendimento do interesse público, que no dizer de Bandeira de Mello corresponde
à dimensão pública dos interesses individuais[5].
Objetivando fazer o cotejo entre
o fato atribuído aos investigados e o art. 19, da LC nº 64/90, qual seja, o
abuso do poder político, ainda se faz relevante ponderar que o conceito em
foco, ante a sua elasticidade, pode ser preenchido pelos mais variados fatos ou
situações, assim como por atos comissivos ou omissivos[6].
No caso dos autos, da análise do
áudio da reunião realizada pelo secretário de educação do município à época, o
investigado Carlos Gusmão, entendo por configurado o abuso do poder político,
praticado por ele e pelo prefeito, à época, José Alberto, em benefício das
candidaturas dos investigados José Vieira Lins e Raimundo Florêncio Monteiro Neto. Vejamos.
A pauta da reunião
foi o anúncio, privilegiado, - pois ao tempo da realização da reunião, publicamente, o então prefeito ainda afirmava a população que,
possivelmente, não seria candidato a reeleição e que não apoiaria nenhum
candidato a eleição -, de que diferentemente do que declarou publicamente,
havia decidido apoiar a candidatura dos investigados José Vieira Lins e Raimundo Florêncio Monteiro Neto.
Imprescindível
registrar que o investigado Carlos Gusmão, deixou claro durante a reunião que
estava ali representando não apenas os seus interesses, mas os interesses do
prefeito José Alberto, ao qual foi oferecida uma secretaria municipal em troca
do apoio político as candidaturas de José Vieira Lins e Raimundo Florêncio
Monteiro Neto. Vejamos:
“A conversa aqui é bastante rápida. Rápida, sucinta e direta. Bom… A
gente já ia chegar a esse momento, mais cedo ou mais tarde. Um momento de
união, mas também um momento de rompimento, de ruptura. É perfeitamente
compreensível.
Eu não gosto de
discutir esses assuntos por políticos apesar de sempre participar de campanhas,
sempre tá militando nessa área. Apoiando um, ou apoiando outro…, mas assim vocês
viram que… que o prefeito deu uma declaração essa semana na televisão,
onde ele diz que o pessoal dele estivesse à vontade pra escolher qualquer um
dos lados. E aquilo me enfureceu muito! Nem me chateou, me enfureceu muito! Eu
achei uma… é, uma tremenda...Assim...Um erro muito grande de ter feito
aquilo.
Mas em conversa
depois com ele, com o próprio deputado eu fui me explicar por que a gente acaba… O fato é que por
determinação dele, eu tive que fazer essa reunião com diretores e com vocês.
(…) No mesmo
dia que o Zé Alberto disse isso. A gente… eu fui… Fui procurado entendeu? Por que
da forma como ele explicitou aquilo lá… o contratado, o diretor e vocês aqui
tão achando que é bem simples assim e é não! O prefeito só não é candidato. Mas
é prefeito até o final do ano, até o dia trinta e um. E até o dia
trinta e um eu estarei aqui como secretário. E como tal, eu vou continuar
apoiando o prefeito. Eu tenho que apoiar o prefeito! As decisões
dele.
Em outro momento da
conversa tida pelo secretário de educação, Sr. Carlos Gusmão, o mesmo deixa bem
clara a negociação realizada com os demais investigados, especialmente, com o
prefeito eleito José Vieira Lins, para firmar aliança política e para sua
manutenção no cargo de secretário no cargo, conforme transcrição abaixo de
outro momento da reunião:
“Uma das coisas que tanto Zé Vieira, Carlinhos lá…lá na reunião com…com
o prefeito disseram que davam qualquer uma secretaria pro Zé Alberto. Exceção
feita à educação. Isso foi uma imposição do Zé Vieira, não foi o Zé Alberto que
pediu. Isso Zé Alberto me contou lá no escritório na casa dele. Só eu, ele e o
Alberto Filho. O Zé Vieira disse que não vai mexer comigo, eu vou continuar
aqui. (…) o fato é que o prefeito vai apoiar o José Vieira e o Florêncio. E nos
claro, como fazemos parte desse grupo, a mesma coisa. (fl. 123)
O abuso do poder
político fica caracterizado em outros momentos da reunião, quando o secretário
de educação, o investigado Carlos Gusmão, em seu nome e em nome do prefeito à
época, o investigado José Alberto, fazendo uso de sua autoridade e da
autoridade do prefeito, já que realizara a reunião por determinação daquele,
conforme fez questão de ressaltar por diversas vezes durante o ato, diz aos presentes que quem não puder estar
com eles que se desvincule, que é pra ir de corpo e alma, e quem tiver com ele,
na sexta feira é convenção, pois a conversa que teve é que não vão mexer nos
funcionários. E assim, ele reitera que quer contar, “que já sabe que tem
pessoas aqui dentro, que tem cargo de confiança, que exercem funções que não tá
remando comigo e nem com o prefeito”, o que é ruim demais, e adverte aos
presentes “vocês já sabem qual é a determinação, vocês não precisam nem vir
mais conversar comigo, vá direto no RH ou com a Cristina”, agradeço quem for
sair, não me rejubilo nem um pouco, pelo contrário, sinto muito até”(fl. 125).
Importante também se
faz o registro de um outro momento em que o secretário insta os presentes a
adesão a campanha dos candidatos José Vieira Lins e Raimundo Florêncio ou à
desvinculação do cargo de confiança ou função, como acima já mencionado.
Vejamos:
“E nós, claro, como fazemos parte desse grupo, a mesma coisa. (...)Vocês
tem total liberdade. Só que, se vocês forem apoiar o outro lado,
vocês não podem estar comigo. Se desvinculem, por favor! É um
pedido que eu tô fazendo pra vocês amigavelmente. ”
(…) Na sexta
feira agora já vai haver uma convenção a gente vai ter que tá lá.”
(fl. 125)
Desse modo, vejo que
restou configurada a prática de abuso de poder político, pelo secretário de educação, Sr. Carlos Gusmão, e
pelo prefeito à época, Sr. José Alberto, consistente no uso indevido do poder
que possuíam, junto a administração municipal, para persuadir pessoas
detentoras de cargos de confiança e de funções comissionadas, a aderirem a
campanha, a apoiarem, sob pena de desvinculação, a candidatura dos ora investigados
José Vieira Lins e Raimundo Florêncio, os quais foram beneficiados com o abuso.
Referida prática,
inequivocamente, não apenas afrontou a liberdade de voto dos presentes na
reunião, como afetou a igualdade entre os candidatos nas eleições, a normalidade
e a legitimidade do pleito municipal, no ano de 2016.
Sobre o tema, o
julgado abaixo transcrito:
“[...] 3. O abuso do poder político ocorre quando agentes públicos se
valem da condição funcional para beneficiar candidaturas (desvio de finalidade),
violando a normalidade e a legitimidade das eleições [...]. Deve ser rechaçada,
na espécie, a tese de que, para a configuração do abuso de poder político,
seria necessária a menção à campanha ou mesmo pedido de apoio a candidato,
mesmo porque o fato de a conduta ter sido enquadrada pelo e. Tribunal a quo como conduta vedada evidencia, por si só, seu caráter eleitoral
subjacente. 4. Existe presunção de dano à regularidade das eleições
relativamente às condutas previstas no art. 73 da Lei nº 9.504/97 [...]. 5. A
fim de se averiguar a potencialidade, verifica-se a capacidade de o fato
apurado como irregular desequilibrar a igualdade de condições dos candidatos à
disputa do pleito, ou seja, de as apontadas irregularidades impulsionarem e
emprestarem força desproporcional à candidatura de determinado candidato de
maneira ilegítima. A conclusão do v. acórdão recorrido a respeito da
potencialidade de a conduta não poder ser revista em sede de recurso especial
em vista dos óbices das Súmulas 7/STJ e 279/STF [...]. 6. A cassação do
registro é possível quando o julgamento de procedência da AIJE ocorre até a
data da diplomação [...].”Ac. de 27.4.2010 no AgR-AI
nº 12.028, rel. Min. Aldir Passarinho Junior.)
O investigado Carlos Gusmão
afirma que o laudo da perícia aponta como clarividente a edição do áudio, com
flagrante descontinuidade.
Com efeito, o laudo afirma que
houve descontinuidade. Todavia, nele também consta que esses eventos não
representam adulteração d áudio no sentido de apresentar algo que não foi dito,
ou seja, não se trata de edição fraudulenta (fls. 119/120).
Os investigados José Vieira Lins
e Raimundo Florêncio sustentam que à data dos fatos, sequer haviam sido
escolhidos como candidatos, em convenção partidária.
Ocorre que, o termo inicial para
o ajuizamento da AIJE, é que é o registro de candidatura, não sendo esta a data
inicial para prática de atos de abuso de poder, conforme jurisprudência do
próprio TSE (AR-Ro nº 10520/MG, julg. 15.12.2015, rel. Gilmar Mendes, pub.
23.02.2016), especialmente, no caso em tela, em que restaram confirmadas na
referida convenção as candidaturas para os cargos de prefeito e vice-prefeito,
dos investigados José Vieira e Raimundo Florêncio.
Vale ressaltar, que a coligação
autora da ação, afirmou na inicial da ação e no momento das alegações finais
que a conduta do secretário de educação e do prefeito José Alberto,
configuraram a conduta vedada descrita no art. 73, inciso V, da Lei nº
9.504.97.
Ocorre que, da análise detida dos
fatos trazidos a baila e da citada previsão legal, vejo que a citada afirmação
não merece prosperar.
No caso dos autos, não obstante
tenha o secretário de educação, em seu nome e em nome do prefeito, à época,
feito uso do cargo para instar os “que possuíam cargo de confiança, que
exerciam funções”, a aderirem a campanha, de “corpo e alma”, comparecendo “a
convenção”, dentre outros, ou a desvinculação, não ficou comprovado nos autos,
que houve “demissão sem justa causa”, “exoneração de cargo em comissão”, ou
“dispensa de função de confiança”, de que trata o art. 73, inciso V, da Lei nº
9.504/97, ou pelo menos, não ficaram estes atos materializados nos autos, de
forma a permitir nesta oportunidade, o seu reconhecimento.
A Lei Complementar nº 64/90, em
seu artigo 22, inciso XVI, ainda estabelece que “para a configuração do ato
abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da
eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam”.
Sobre o tema, Marcílio Nunes
Medeiros, explica que “para a caracterização do ato ilícito apurado na
investigação judicial eleitoral não basta a prática do ato com a intenção de
beneficiar candidato ou atingir a liberdade de voto, como exige o art. 19,
desta LC nº 64/90”. E acrescenta que “após a demonstração da ocorrência do ato,
do atingimento do objeto jurídico e da responsabilidade dos representados, cabe
ao julgador, a fim de aplicar as sanções previstas no inc. XIV, analisar a
gravidade da conduta”[7].
Nesse diapasão, tenho que no
exame da gravidade, a partir da vigência da LC nº 135/2010, que alterou a LC nº
64/90, não se faz mais necessária a realização de prognóstico exterior ao ato,
relativamente ao resultado do pleito, uma vez que o ato passa a ser analisado
por sua gravidade intrínseca[8].
Ao analisar o ato, com as
circunstâncias que lhe são inerentes, e suas consequências para o pleito, vejo
que fora grave, o que se constata a partir das próprias palavras do secretário
municipal de educação quando diz que “o fato é que por determinação dele
(prefeito, à época), eu tive que fazer essa reunião com diretores e com vocês”.
Tal afirmação faz prova de que
além dos presentes na citada reunião, também houve reunião com o mesmo
objetivo, com os diretores de escola, os quais são replicadores de ideias junto
aos seus alunos e junto aos pais desses alunos.
Desse modo, verifico a gravidade
do ato praticado pelo secretário de educação do município, por determinação do
investigado José Alberto, em benefício das candidaturas de José Vieira Lins e
Raimundo Florêncio.
Numa secretaria municipal de
educação, são muitos os cargos em comissão e funções de confiança, são muitos
os cargos de diretores de escola, como dito acima, estes últimos, formadores de
opinião junto aos professores, junto aos alunos e junto aos pais de alunos, de
modo que, quando o secretário de educação fala vamos “abraçar a causa de corpo
e alma, vamos trabalhar, é no sentido de mobilizar essas pessoas a convencerem
seus subordinados ou as pessoas com as quais convivem no dia a dia, a votar no
candidato apoiado por ele e pelo prefeito”, ou então a desvinculação do cargo
de confiança ou da função.
Ora, o próprio TSE, para fins de
configuração do abuso do poder político, tem entendido que essa “gravidade” dos
fatos está presente quando restar afetada a igualdade de oportunidades entre os
candidatos5,
o caso dos autos. Independentemente de afetar ou não o resultado da votação,
isto é, não depende de comprovação cabal do nexo causal ou normativo entre o
ato e o resultado numérico da eleição, bastando um nexo indiciário[9].
Desta feita, entendo que o abuso
do poder político praticado pelo secretário de educação do município, Sr.
Carlos Gusmão, por determinação do então prefeito José Alberto, em benefício
das candidaturas de José Vieira Lins e Raimundo Florêncio, é grave e foi
potencialmente hábil a, inclusive, alterar o resultado das eleições no
município de Bacabal, no ano de 2016.
Nesse sentido, o julgado abaixo
transcrito:
“[...]. Ação de investigação
judicial eleitoral. [...]. Abuso de poder político. Desvio de finalidade e
potencialidade demonstrados. 1. O abuso do poder político ocorre quando agentes
públicos se valem da condição funcional para beneficiar candidaturas (desvio de
finalidade), violando a normalidade e a legitimidade das eleições [...]. Deve
ser rechaçada, na espécie, a tese de que para a configuração do abuso de poder
político seria necessária a menção à campanha ou mesmo pedido de apoio a
candidato, mesmo porque o fato de a conduta ter sido enquadrada pelo e.
Tribunal a
quo como conduta vedada evidencia,
por si só, seu caráter eleitoral subjacente. 2. Existe presunção de dano à
regularidade das eleições relativamente às condutas previstas no art. 73 da Lei
nº 9.504/97 [...]. 3. A fim de se averiguar a potencialidade, verifica-se a
capacidade de o fato apurado como irregular desequilibrar a igualdade de
condições dos candidatos à disputa do pleito, ou seja, de as apontadas
irregularidades impulsionarem e emprestarem força desproporcional à candidatura
de determinado candidato de maneira ilegítima. Na espécie, essa circunstância
foi reconhecida, efetivamente, pelo e. Tribunal de origem, por meio da análise
de todo o conjunto probatório dos autos. [...]”(Ac. de 27.4.2010 no
AgR-REspe nº 36.357, rel. Min. Aldir Passarinho Junior.)
“A aferição da gravidade, para fins da caracterização do abuso de
poder, deve levar em conta as circunstâncias do fato em si, não se prendendo a
eventuais implicações, quando existentes, reforcem a natureza grave do ato”.
(TSE, AR-REsp nº 25952/RS, julg. 30/06/2015, rel. Luciana Lóssio, pub.
14/08/2015)
De outro lado, cabe registrar que
“o TSE não tem reconhecido a necessidade de comprovação de “dolo”7 ou “culpa”8, ou mesmo do nexo causal ou normativo
entre o ato e o resultado da eleição, para condenação por abuso do poder
político, pois, no âmbito cível eleitoral, o reconhecimento da prática desses
atos pode-se dar até mesmo por atos de mera omissão. Em casos que tais, vem
entendendo o referido tribunal que basta um nexo indiciário de desequilíbrio da
competição, da disputa, para o reconhecimento da prática do abuso do poder
político, com a cassação do registro ou do diploma, aplicação além de “multa” e
imposição de pena de “inelegibilidade”[10].
Os investigados José Vieira Lins
e Raimundo Florêncio, assentaram que não anuíram e nem tinham conhecimento da
realização da reunião pelo secretário de educação e que por isso não poderiam
ser afetados por essa prática.
Ocorre que, nos termos do art.
22, XIV, da LC n° 64/90, a condenação do candidato pela prática de abuso de
poder prescinde da demonstração de sua responsabilidade ou anuência em relação
à conduta abusiva, sendo suficiente a comprovação de que ele tenha auferido
benefícios em razão da prática do ilícito, conforme precedentes do próprio TSE .(Ac. de 18.9.2014 no AgR-AI
nº 31540, rel. Min. Henrique Neves da Silva.)
Ante o exposto,
JULGO PROCEDENTE o pedido deduzido na presente Ação de Investigação Judicial
Eleitoral para, nos termos do disposto nos arts. 19 e 22, da LC nº 64/90, declarar
a inelegibilidade dos investigados Carlos Alberto Fernandes Gusmão, José Alberto Oliveira Veloso,
José Vieira Lins e Raimundo Florêncio Monteiro Neto, cominando-lhes sanção de inelegibilidade
para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em
que se verificou - de 2016 -, além da cassação do diploma dos candidatos
diretamente beneficiados pelo abuso do poder de autoridade/político, quais
sejam, José Vieira Lins e Raimundo Florêncio Monteiro Neto.
Esclareço que, em atenção ao disposto
no § 2º, do art. 257, do Código Eleitoral,
o recurso ordinário, eventualmente, interposto contra a presente decisão
definitiva (sentença), será recebido no Tribunal Regional Eleitoral com efeito
suspensivo.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Bacabal, 28 de setembro de 2017.
Daniela de Jesus Bonfim Ferreira
Juíza da 13ª Zona Eleitoral
do Maranhão
A juíza deveria ter evitado todo esse transtorno se tivesse logo no inicio do processo eleitoral cassado o titulo de eleitor do candidato José Viera Lins,pois o mesmo já tinha condenação em outros processo e era considerado pele justiça eleitoral como Ficha Suja,faltou ação da JUÍZA,só agora ele reconheceu o erro cassando o diploma do prefeito,mais ainda acredito na justiça mesmo que tardia.Esse é o meu ponto de vista.
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