Carlos José Marques: Bolsonaro não existe


Carlos José Marques, Carlos José Marques é diretor editorial da Editora Três - Sob qualquer ótica que se encare, o aprendiz de mandatário, o capitão reformado pelo exército — preso e depois expulso por planejar um atentado —, o repolho da salada indigesta da desarticulação política, o Messias da imundície de palavreado, o “mito” dos brejos sujos e vicejantes de adoradores da ditadura, ele mesmo, Jair Bolsonaro, o pseudoatleta das sandices epidêmicas, acabou. Evaporou. Virou suco. Ficou falando sozinho. Aliás, fala tantas asneiras, que ninguém mais lhe dá ouvidos mesmo. As panelas agora diariamente voltam às janelas e sacadas em todo o Brasil para soar o protesto majoritário contra seus devaneios. A rejeição vai virando marca, apontam as pesquisas. O Supremo e o Legislativo, abismados, não encontram explicação para um chefe de Estado com tamanha inabilidade para a liderança. O mundo tripudia dos descalabros do bufão dos trópicos. Bolsonaro é agora uma mera caricatura de si mesmo. Isolado e endiabrado na prática diuturna de atos inconsequentes. Seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, com o senso de responsabilidade profissional de quem é do ramo, pede o isolamento em massa. Ele desdiz o subordinado. Faz pouco caso da pandemia. Desdenha o que chama de “gripezinha” ou “resfriadinho”. O planeta se arma para uma guerra dramática contra um inimigo invisível. Os chefes de estado, irmanados, alinham ações de quarentena. Coordenam esforços. Mas Bolsonaro, não. Com ele é diferente. E vai a público alegar que, por aqui, o que há é alarmismo e pânico. Nada de tão grave. Culpa da imprensa. Das notícias, dos fatos. Esqueçam os fatos! O que valem são as versões e distorções do “mito”. Um incompetente incorrigível. Nos convertemos, todos, em vítimas das temeridades de um sem noção. O País está, efetivamente, sob risco em suas mãos. A cada dia fica mais nítida a ameaça. Milhões de trabalhadores brasileiros de baixa renda, às portas da miséria, ou já experimentando seus efeitos devastadores, deparam-se, assombrados, com MPs que determinam a suspensão, por quatro meses, dos contratos de trabalho e, consequentemente, congelamento de salários. O STF diz que não passa. O Congresso nem considera. Alertado do fracasso da barbeiragem, o trovador volta atrás. Faz de conta que não disse o que disse. Que não autorizou o que autorizou. Teme queimar o que lhe resta — e já é bem pouco, para não dizer nada — de capital político. Os desmandos, atrelados a hesitações em série, lhe tiraram respeito, seriedade, admiradores. Quem pode confiar nele? Acreditar nas baboseiras que vomita? Bolsonaro não percebeu, ou não entendeu, que o receio da população em perder vidas vai além das ambições eleitoreiras que acalenta, visando à recondução ao poder. A raiva e o deboche dele são, na verdade, contra uma praga de saúde que atrapalha seus planos nas urnas e bota o ano como perdido. Não existe ali no Planalto um estadista. Apenas o candidato. Raso, pedestre, vazio. Inoculado pela paranoia das conspirações. Tomado pela febre de poder. Bolsonaro está tão tonto pelos apupos que, na coletiva de anúncios de novas medidas, fugiu do púlpito antes de ser questionado sobre o que pretendia. Parece não ser ele quem dirige a Nação ou quem deveria dirigir. Os ministros, ao seu lado na ocasião, mostravam-se confusos com tantas idas e vindas, abandonados pelo chefe sem pulso, que escapou sorrateiramente da acareação pública. Não sabiam o que responder quando indagados sobre o porquê de não estarem usando máscaras naquela audiência, uma vez que o haviam feito, dias antes, para tentar demonstrar engajamento com a prevenção. Puro marketing loroteiro. Por ordem superior. O governo se perde e se contamina sob sua batuta, tornando ainda mais difícil a gestão diária de movimentos para vencer a pandemia e conter o agravamento da recessão e estagnação que espreitam na esquina. O comandante Bolsonaro, nos confins da insensatez, esconde até o resultado de seu teste de contaminação pelo coronavírus. Todos perguntam: qual motivo? Tivesse dado negativo, como alega, deveria ser o primeiro a querer provar com o diagnóstico do exame, assegurando o bom estado de saúde. Não Bolsonaro. Com ele é diferente. O presidente omite da sociedade o documento que atestaria sua real condição e as suspeitas aumentam. A desconfiança sobre a existência de “algo mais” desequilibra econômica e socialmente a rotina. O mercado derrete. Eventuais convivas, frequentadores do Palácio, meros manifestantes que foram com ele confraternizar, ficam atônitos. Se tiver mentido, ou omitido, o capitão casca grossa terá, não apenas, cometido mais um crime de responsabilidade — rotina em sua folha corrida —, como também um crime de natureza comum, passível de pena que deveria ir além da cassação de mandato. Gravíssimo comportamento será pouco para classificar a confirmação de uma eventual sonegação de informação dessa natureza, indo abraçar e tirar “selfies” com seguidores enquanto sabia estar infectado, colocando em risco a vida de dezenas de simpatizantes que se aglomeraram para saudá-lo no protesto autofabricado por sua assessoria digital. É de se estranhar nesse contexto que o Hospital das Forças Armadas, onde realizou a averiguação médica, tenha entregue às autoridades do Distrito Federal, por decisão da Justiça, uma relação dos pacientes que juntos com ele viajaram aos EUA, deixando de fora deliberadamente dois nomes. Sob qual pretexto? O escrete quase inteiro de participantes da comitiva, que voou ao seu lado para uma espécie de “meeting” de tratativas oficiais e evento gastronômico em Miami, caiu de cama. Ao menos 25 membros da tropa do convescote em terras americanas estão com o coronavírus. Ele não. Com Bolsonaro é diferente. Super-herói de almanaque da Disney. No pandemônio de ações desencontradas e raiva desmedida, governadores e prefeitos que fazem a coisa certa – de acordo com as orientações de autoridades sanitárias do mundo inteiro – e restringem a circulação viraram alvo predileto de seus arroubos revanchistas. “Estão exagerando”, delibera no habitual estilo zombeteiro o paspalhão da corte brasiliense. É a voz dissonante, vazia, sem eco. Jair Bolsonaro intoxicou com mensagens erráticas os QGs de operação da crise. Foi contagiado pelo vírus eleitoral e perdeu o senso de realidade. Não deve estar mesmo no seu equilíbrio perfeito. Muitos defendem que o Ministério Público venha a pedir, no mínimo, mais um exame: esse para medir a sanidade mental. Não é preciso ir tão longe. O presidente poderia se submeter a uma mera terapia. Deitar no divã do analista para discutir a sua existência. Afinal, ninguém aguenta mais esse seu “ser ou não ser” shakespeariano, que leva de carona

um País inteiro.

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