Antônio Melo: No país das coincidências


Antônio Melo
jornalista      

Coincidência é uma coisa danada. Só acontece a favor dos outros. Em política então, a gente coleciona muitos exemplos. Basta conferir.
O ministério público da Suíça pediu oficialmente ao ministério público brasileiro que ouvisse o conselheiro Robson Marinho, na época Chefe da Casa Civil do governo de São Paulo, para que explicasse aquilo que, para os investigadores daquele então paraíso fiscal, pareciam uns malfeitos e mereciam melhor análise. Passou-se mais de um ano. Nesse ínterim, o dr. Robson virou conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, responsável pela verificação do correto uso do dinheiro do executivo bandeirante. O MP da Suíça esperou em vão pelos colegas brasileiros. Até que uma reclamação foi apresentada à chefia do MP daqui. Foi aí que descobriu-se que o procurador responsável por interrogar o dr.Marinho, esquecera o pedido dentro de uma gaveta. E ninguém se lembrara de cobra-lo. Imagina, que descuido... Mas acontece. E quando tudo foi descoberto, nem dava mais tempo para consertar. A ação já prescrevera. Coincidência. Obra do destino. Uma coisa lamentável. Mas sem jeito.
         Agora, já neste ano mesmo, um processo que fora encaminhado pelo STF ao procurador-geral da república, o dr. Rodrigo Janot, para investigar também uns malfeitos atribuídos ao hoje senador e então deputado federal Aécio Neves, foi esquecido pelo douto procurador, ninguém nega uma das pessoas mais ocupadas da nossa república. E, graças a esse esquecimento ou à falta de tempo, é forçoso dizer, o Aecinho, como o chamam os amigos, ficou livre de ser levado às barras do tribunal. O próprio Janot teve que pedir o arquivamento do caso, já que o prazo para apresentar a denúncia prescrevera. Coincidência, pura coincidência.


O juiz Sérgio Moro vai à Câmara Federal e fala contra o projeto de abuso de autoridade. Semana passada, o midiático juiz frequentou as manchetes por, ao arrepio da Constituição, violar sigilo da fonte de jornalista, apreender equipamentos de trabalho e, mesmo monocraticamente, atropelar decisão do pleno da mais alta corte de justiça do país que dispensou o diploma universitário para o exercício da profissão de jornalista. Moro, soberanamente, mandou a Polícia Federal conduzir coercitivamente o profissional, numa cena que mais parecia ter o intuito de humilha-lo. Pilhado em flagrante abuso de autoridade, o juiz recuou. Quinta-feira, de Brasília onde se encontrava, sentenciou Eduardo Cunha a 15 anos de cadeia. Nada contra. Não fosse o fato que, segundo os argumentos da defesa, o dr. Moro, teve exatas 43 horas para ler 290 páginas com as alegações do réu e da acusação, presidir duas audiências, redigir um despacho e também a sentença condenatória de 89 laudas. Não esquecer ainda que além dessas atribuições, o meritíssimo teve que dormir, banhar-se, trocar de roupas, deslocar-se de casa para o trabalho e vice-versa várias vezes, fazer refeições, atender a mídia, falar ao telefone, ir para o aeroporto. Talvez com essa presteza, o juiz da Lava Jato tenha conseguido desviar a atenção sobre a violação do sigilo da fonte e outros abusos de sua lavra, como a condução coercitiva e desmoralizante, da semana passada. Mas pode ser que o errado seja o articulista e tudo não passe de uma simples coincidência. E só.


O presidente anuncia que a inflação está caindo, que o país está crescendo, que estamos no rumo certo. Já o IBGE mostra que o desemprego dispara: subiu de 12,9 milhões para 13 milhões e meio, só no último trimestre. O Banco Central prevê nova redução na previsão de crescimento do pibinho: agora 0,47%. No mesmo dia do anuncio, o PMDB lança seu programa louvando "o país de Temer". Infeliz coincidência.

Em São Paulo ninguém fala mais na tal da delação de Paulo Preto que iria "destampar" a caixa preta do governo tucano. No Rio o ex-governador Sérgio Cabral negocia uma delação sobre 97 casos de corrupção que envolveriam o governo do estado, a assembleia, o tribunal de justiça, o superior tribunal de justiça e o ministério público.
Enquanto isso a Globo põe no ar uma versão em russo da musiquinha da copa e faz sumir nas profundezas dos seus telejornais glamurosos as retumbantes e até bem pouco esperadas por um país em suspenso, 78 delações da Odebrecht.
Coincidência, ponto. Mera coincidência. Ponto.


         Aproxima-se o início do julgamento do pedido de cassação da chapa Dilma-Temer, a pedido do PSDB. O STF já tem jurisprudência que a chapa é indivisível. Mas quinta-feira o ministério público eleitoral teria apresentado seu parecer pela indivisibilidade da chapa, sim senhor. Mas tem um porém. Dilma  saberia da origem ilícita de parte das doações. Já Temer, não. Nem daquelas doações de empresas que prestavam serviços a órgãos comandados pelo PMDB. Com isso, ambos serão cassados. Mas Dilma ficará inelegível. Já Temer, não. E aí, a Câmara terá que fazer eleição indireta para escolher o presidente. Temer pode ser candidato, Dilma, não. Coincidência, justiça seja feita.

         Bem amigos da Rede Globo... 

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