Antônio Melo: O meritíssimo Bobo da Corte.


Por Antônio Melo
Jornalista


Oito mil páginas, dezenas e mais dezenas de testemunhas, documentos, diligências, provas, contraprovas, inquirições, jurisprudências, pedido de vistas e, finalmente, chegou o grande o dia. Na telinha de todas as tvs, a corte. Sete juízes vestidos de justiceiros, ostentam suas togas pretas e seus ares vetustos e um representante do ministério público, fiscal da lei, ante um Brasil paralisado e sedento de justiça.


Na primeira fila da plateia do imponente tribunal, advogados dos grandes interessados em que o processo não tenha o desfecho que a Nação espera -Dilma, Temer e, por tabela, Lula. Até mesmo o PSDB, autor da ação, torce contra si próprio.


O meritíssimo Presidente, a cada dia mais parecido com Antônio Carlos Magalhães, Sarney ou Renan ex-presidentes do Congresso Nacional do que com Sepúlveda Pertence ou Ayres Brito que presidiram o Supremo Tribunal Federal, adverte, político, que no julgamento em questão é preciso que se pense no país, na economia. Nenhum lembrete quanto aos compromissos que sujeitam julgadores aos códigos e instruções normativas do Direito.


O meritíssimo senhor Relator tem a palavra. Parece tímido e acanhado diante da imensa responsabilidade que lhe coube - que nenhum colega seu nunca tivera- de dar as razões esclarecedoras no seu voto para a cassação, ou não, da chapa completa, Dilma-Temer, como pretendeu o PSDB na sua inicial.
Constatando que as coisas não se passavam bem como pretendia, o meritíssimo senhor Presidente, resolveu colocar o bonde na linha com algumas lições do seu saber jurídico e da indiscutível autoridade que o cargo lhe dá, ao relatante. "A modéstia, às favas", jactou-se.


Apesar de ter lhe pesado, a toga não apequenou o modesto Relator, dono de um saber jurídico que se revelava a cada momento e de um conhecimento da causa em questão, da qual alguns dos colegas mais políticos que juízes, pareciam conhecer muito pouco. De embate e embate o senhor Relator foi crescendo ante os olhos da Nação embevecida. E o senhor Presidente passando por sucessivos vexames até de negar jurisprudência firmada pelo STF a partir de voto do juiz Gilmar Mendes, o próprio ele mesmo, o Presidente.


Era uma luta de esgrimas sem as espadas da justiça. Haviam sim as espadas dos altos interesses. Os do PSDB, agora acantonado nos melhores ministérios do governo, empenhado em ver a ação de que é autor ser derrotada; o do presidente Michel Temer, cercado por um ministério de investigados –ele próprio, inclusive, encastelado nos palácios de uma administração que só ele acredita ainda existir; uma incontável leva de políticos que podem ver daí uma nova estrada jurídica para anistia do caixa 2.


O tilintar inaudível das esgrimas, desembainhadas nos acordos prévios vai ferindo de morte as vitórias midiáticas do meritíssimo Relator. E ele já se apercebe disso. Sua toga preta, por mais que tente segurar, está sendo arrancada, e começam a lhe impingir a fantasia de palhaço, de saltimbanco, de bobo da corte.


Sua tarefa de apresentar o voto esclarecedor estava sendo tolhida sorrateira, mas de forma pomposa, por seus pares que começam a antecipar votos. E não adiantam os reclamos de Sua Excelência o senhor Relator. O seu brilhante relatório de mais de mil páginas, será lido, garantiu o meritíssimo senhor Presidente. Mas os votos continuam sendo antecipados. E o Bobo da Corte, isto é, sua excelência, o meritíssimo senhor Relator, continua a proferir o seu brilhante voto -que deveria ser o primeiro e esclarecedor, mas não está sendo- perpassando a manhã desta sexta-feira e avançando por uma boa hora da tarde. Com isso, coroa um trabalho exaustivo e inútil, com uma bela aula de direito para os poucos alunos que foram ao tribunal ou o assistem pela televisão.


O julgamento, dizem os eminentes advogados, não mais segredando porque confraternizam orgulhosos com a vitória das suas estratégias, terminou na quinta de manhã. Quatro a três, como queriam os acordos. A moral e aos bons costumes, às favas, parafraseando o eminente e ilustrado condutor dessa Corte.


O senhor Presidente, como de praxe, fez sua peroração enaltecendo o profícuo trabalho deste tribunal , sem partidarismo, olhando exclusivamente os interesses da justiça e os ditames da lei. Agradeceu ainda ao eminente Relator pelo brilhante trabalho feito que muito engrandeceu as cortes de justiça do país e certamente a literatura do processo eleitoral.
Ao final, o senhor Relator, aliás, o Bobo da Corte, recolheu sua fantasia de palhaço, porque procurara sua toga, mas de há muito já fora recolhida, porque ficara grande demais para a pequenez dos momentos ali vividos sobre a presidência do eminente senhor Presidente, o meritíssimo ministro Gilmar Mendes.


Nada mais havendo a tratar, envergonhado, lavrei a presente ata em testemunho do que acabo de assistir, mesmo difícil de acreditar, dou fé.
Dado e passado num Brasil que acreditávamos ser passado.

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